Quinta-feira, 22 de Agosto de 2013

A Sinfonia da Morte

 

Na gare do Sul e Sueste, fazendo horas enquanto aguardavam a chegada da família real, as senhoras, abrigando-se da brisa fria que vinha do rio, recolhiam à sala de espera e os cavalheiros, em pequenos grupos, discutiam cá fora a situação política e, sobretudo, os últimos boatos que circulavam. Os ministros presentes na estação, afirmavam que nada de anormal iria ocorrer, pois os cabecilhas da anunciada conspiração estavam todos eles presos. As cartilagens dos ouvidos dos jornalistas moviam-se, tentando captar declarações que poderiam ser interessantes para o seu trabalho.

O grupo operacional, atento à chegada do vapor, aproveitava também proveitosamente este período suplementar concedido pela avaria ferroviária para, à sombra das arcadas do lado Norte, em vozes sussurradas, recapitular o que cada um iria fazer quando chegasse a hora. Era o das barbas escuras e arruivadas, junto à estátua de D. José, o atirador A dispararia um tiro de revólver, sinal para a operação ser desencadeada. O atirador B, também de junto da estátua, do alto dos degraus que rodeiam o pedestal, dispararia tiros de carabina na direcção do landau, mais com intenção de provocar pânico e desorganização nas forças policiais. Se acertasse, tanto melhor. Estes dois homens, cumprida a sua missão, tentariam aproveitar a confusão que, decerto se seguiria, para, misturando-se com a multidão, fugirem e refugiarem-se nos locais previamente preparados. O atirador C, munido de uma carabina e colocado junto do quiosque que ficava em frente do ministério da Fazenda, colocar-se-ia em posição atrás da carruagem real e começaria a fazer fogo, tentando eliminar o maior número possível dos seus ocupantes, a começar, naturalmente, pelo rei. O atirador D saltaria sobre o estribo do landau e dispararia sobre o rei e sobre os filhos e a rainha. O atirador E, situado no ângulo ocidental da praça, na esquina da Rua do Ouro com a Rua do Arsenal, munido de carabina, interviria se os atiradores anteriores tivessem falhado. Caso verificasse que os atiradores C e D não tinham falhado, nem teria necessidade de intervir e poderia, sem problemas retirar-se. Portanto, o papel principal da acção cabia ao atirador C (o de barbas e varino até aos pés) que, aliás, de todos eles, era o mais credenciado em termos de perícia. Teria, todos o sabiam, poucas possibilidades de escapar. O atirador D, o que ia saltar sobre o estribo, desempenharia também importante, necessitando de grande coragem e sangue-frio. Na realidade, embora nenhum deles o verbalizasse, era quase certa, igualmente, a sua não sobrevivência ao atentado, pois ficaria praticamente colado aos cavaleiros da escolta.

Os “músicos” preparavam-se cuidadosamente. Queriam executar com afinação a sinfonia da morte.
 
Carlos Loures, A Sinfonia da Morte
publicado por Elisabete às 22:55
link do post | favorito
Comentar:
De
  (moderado)
Nome

Url

Email

Guardar Dados?

Este Blog tem comentários moderados

(moderado)
Ainda não tem um Blog no SAPO? Crie já um. É grátis.

Comentário

Máximo de 4300 caracteres



Copiar caracteres

 


*mais sobre mim

*links

*posts recentes

* Joaquim Alberto

* ANTERO – ONTEM, HOJE E AM...

* QUINTA DE BONJÓIA [PORTO]

* POMPEIA: A vida petrifica...

* JOSÉ CARDOSO PIRES: UM ES...

* PELA VIA FRANCÍGENA, NO T...

* CHILE: O mundo dos índios...

* NUNCA MAIS LHE CHAMEM DRÁ...

* ARTUR SEMEDO: Actor, galã...

* COMO SE PÔDE DERRUBAR O I...

* DÉCIMO MANDAMENTO

* CRISE TRAZ CUNHALISMO DE ...

* O CÓDIGO SECRETO DA CAPEL...

* O VOO MELANCÓLICO DO MELR...

* Explicação do "Impeachmen...

* CAMILLE CLAUDEL

* OS PALACETES TORNAM-SE ÚT...

* Tudo o que queria era um ...

* 1974 - DIVÓRCIO JÁ! Exigi...

* Continuará a Terra a gira...

* SETEMBRO

* SEM CORAÇÃO

* A ESPIRAL REPRESSIVA

* 1967 FÉ DE PEDRA

* NUNCA MAIS CAIU

* Alfama é Linda

* Por entre os pingos da ch...

* DO OUTRO LADO DA ESTRADA

* Não há vacina para a memó...

* Um pobre e precioso segre...

*arquivos

* Dezembro 2018

* Junho 2018

* Maio 2017

* Abril 2017

* Março 2017

* Fevereiro 2017

* Janeiro 2017

* Setembro 2016

* Junho 2016

* Abril 2016

* Novembro 2015

* Setembro 2015

* Agosto 2015

* Julho 2015

* Junho 2015

* Maio 2015

* Março 2015

* Fevereiro 2015

* Janeiro 2015

* Dezembro 2014

* Fevereiro 2014

* Janeiro 2014

* Dezembro 2013

* Novembro 2013

* Setembro 2013

* Agosto 2013

* Julho 2013

* Junho 2013

* Maio 2013

* Abril 2013

* Março 2013

* Fevereiro 2013

* Janeiro 2013

* Dezembro 2012

* Novembro 2012

* Outubro 2012

* Setembro 2012

* Agosto 2012

* Julho 2012

* Maio 2012

* Abril 2012

* Março 2012

* Janeiro 2012

* Dezembro 2011

* Novembro 2011

* Outubro 2011

* Setembro 2011

* Julho 2011

* Maio 2011

* Abril 2011

* Março 2011

* Fevereiro 2011

* Janeiro 2011

* Dezembro 2010

* Novembro 2010

* Outubro 2010

* Agosto 2010

* Julho 2010

* Junho 2010

* Maio 2010

* Abril 2010

* Março 2010

* Fevereiro 2010

* Janeiro 2010

* Dezembro 2009

* Novembro 2009

* Outubro 2009

* Setembro 2009

* Julho 2009

* Junho 2009

* Maio 2009

* Abril 2009

* Março 2009

* Fevereiro 2009

* Janeiro 2009

* Dezembro 2008

* Novembro 2008

* Outubro 2008

* Setembro 2008

* Agosto 2008

* Julho 2008

* Junho 2008

* Maio 2008

* Abril 2008

* Março 2008

* Fevereiro 2008

* Janeiro 2008

* Dezembro 2007

* Novembro 2007

* Outubro 2007

* Setembro 2007

* Agosto 2007

* Julho 2007

* Junho 2007

* Maio 2007

* Abril 2007

* Março 2007

* Fevereiro 2007

*pesquisar