Recordo aqui o álbum "A Noite" de José Mário Branco, gravado em Abril de 1985, com ternura e lágrima a rolar na face.
Versos: a) Antero de Quental (Tentanda Via)
b) J. M. Branco (A Noite)
c) J. M. Branco (Cantiga do Leite)
Música: José Mário Branco
A NOITE
a)
Com que passo tremente se caminha
Em busca dos destinos encobertos!
Como se estão volvendo olhos incertos!
Como esta geração marcha sozinha!
Fechado, em volta, o céu! o mar, escuro!
A noite, longa! o dia, duvidoso!
Vai o giro dos céus bem vagaroso...
Vem longe ainda a praia do futuro...
b)
Em tudo que já fomos está o que seremos
No fundo desta noite tocam-se os extremos
E se soubermos ver nos sonhos o processo
Os passos para trás não são um retrocesso
A noite é um sinal de tudo quanto fomos
Dos medos, dos mistérios, das fadas e dos gnomos
Da ignorância pura e da ciência irmã
Em que, sendo passado, já somos amanhã
A noite é o espaço vago, o tempo sem história
Em que as perguntas nascem dentro da memória
Em tudo que já fomos está o que seremos
Mas cabe perguntar: Foi isto que quisemos?
Em tudo que já fomos está o que deixamos
No ventre das marés, nos portos que tocamos
O rumo desvendado, o preço da bagagem
É tudo quanto resta para seguir viagem
A noite é parideira da contradição
Que existe em cada sim que nos parece não
Olhando para nós, os grandes dissidentes
No meio da luta entre lemes e correntes
Será esta viagem feita pelo vento
Será feita por nós, amor e pensamento
O sonho é sempre sonho se nos enganamos
Mas cabe perguntar: Como é que aqui chegamos?
a)
Vem longe ainda a praia do futuro...
É a luta sem glória! é ser vencido
Por uma oculta, súbita fraqueza!
Um desalento, uma íntima trisreza
Que à morte leva... sem se ter vivido!
A estrada da vida anda alastrada
De folhas secas e mirradas flores...
Eu não vejo que os céus sejam maiores,
Mas a alma... essa é que eu vejo mais minguada!
b)
Em tudo que já fomos estão os nossos mortos
E os vivos que ficaram entram nos seus corpos
Na noite do amor, na noite do sinal
Naufrágio de fantasmas na pia baptismal
A noite é o impreciso e escuro purgatório
Que alinha as nossas almas no seu dormitório
A culpa dos heróis é serem sempre poucos
Acaso somos mais? ou tão-somente loucos?
Temos que descasar a culpa e o prazer
Naquilo que fizemos ou deixamos de fazer
Para reconstruir os corações cativos
Mas cabe perguntar:
c)
Mama, meu menino, o leite é como um rio
b)
Acaso estamos vivos?
a)
Eu não vejo que os céus sejam maiores!
Irmãos! Irmãos! amemo-nos! é a hora...
É de noite que os tristes se procuram,
E paz e união entre si juram...
Irmãos! Irmãos! amemo-nos agora!
Vós que ledes na noite... vós, profetas...
Que sois os loucos... porque andais na frente...
Que sabeis o segredo da fremente
Palavra que dá fé - ó vós, poetas!
b)
Em tudo que já fomos há um sonho antigo
Conversa universal de cada um consigo
São sombras e brinquedos, tudo misturado
E o vago sentimento de nascer culpado
c)
Mama, meu menino, o leite é como um rio
b)
Será um sonho absurdo este olhar para dentro
E o nosso destino, só, servir de exemplo
Andamos a fugir à frente desta vida
Mas cabe perguntar: Existe uma saída?
a)
Irmãos! Irmãos! amemo-nos agora!
É de noite que os tristes se procuram!
Sim! que é preciso caminhar avante!
Andar! passar por cima dos soluços!
Como quem numa mina vai de bruços,
Olhar apenas uma luz distante!
Irmãos! Irmãos! amemo-nos agora!
É de noite que os tristes se procuram!
Heis-de então ver, ao descerrar do escuro,
Bem como o cumprimento de um agouro,
Abrir-se, como grandes portas de ouro,
As imensas auroras do futuro!
c)
Mama, meu menino, o leite é como um rio
Que nunca pára de correr
O leite branco
É o remédio santo
Com que tu vais crescer
Entre as duas margens quentes e fecundas
Mama, meu menino, sem parar
Rio sem fundo
Que corre devagar
Mama o leite, meu passarinho,
Mata a sede sem temor
Este rio é o teu caminho
O cordão do meu amor
Mama, meu menino, mais um poucochinho
Que eu páro o tempo só p'ra ti
Seiva de vida
Com que fui enchida
Quando te concebi
Um pequeno esforço, mete-te ao caminho
Duas colinas mais além
Asas de estrume
P'ra te dar o lume
Oh meu supremo bem
Mama o leite, meu passarinho,
Mata a sede sem temor
Este rio é o teu caminho
O cordão do meu amor
a)
Irmãos! Irmãos! amemo-nos agora!
É de noite que os tristes se procuram!
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A gravação está fantástica. Vale a pena ouvir.
Luar de Janeiro
Salazarismo ou Sebastianismo?
Pois é!... Parece que Salazar foi eleito “o melhor português”. Se se tratasse dum referendo, ficaria muito preocupada. Felizmente, trata-se apenas de mais um concurso que permite, a quem tem acesso à Internet ou possui muitos telemóveis, eleger, de forma falaciosa, o que quer que seja.
Não acredito que haja assim tantos fascistas em Portugal, como não acredito que seja preciso “um outro Salazar” para pôr o país na ordem. A nossa ordem tem de ser a da DEMOCRACIA. Não a da democracia que temos, mas outra: a DEMOCRACIA de todos.
Era uma jovem rapariga em 25 de Abril de 1974. Dei o meu coração, e a minha vida se preciso fosse, à construção dum país novo, mais humano e igual. Os capitães de Abril merecem, ainda hoje, a minha gratidão. No entanto...
No entanto... aos poucos... o poder foi mudando de mãos. “A clara madrugada” foi escurecendo e prevejo um futuro negro para o meu País. Não posso dizer que foi tudo em vão. Há conquistas importantes que subsistem e que impedirão um retorno ao passado. Enquanto viver, nada apagará da minha memória a esperança e a fraternidade imensas que Abril nos deu. Mas quando as pessoas estão habituadas ao cinzento, à obediência cega, à ausência de espírito crítico (O que é dizer que não estão habituadas a gerir o seu destino.), são alvo fácil dos irresponsáveis e oportunistas.
Não foi isto que quis. Não é isto que quero. Um país em que só comem os grandes empresários, os políticos, os gestores, os “espertos”, os sem escrúpulos... não é o meu país. Sabes, Zeca, os vampiros regressaram: “Eles comem tudo e não deixam nada”. No meu país, no país que amo, há desemprego e miséria de todos os tipos, temos muitos políticos e governos apostados em dar cabo da classe média, dos sindicatos, da agricultura, da saúde, da educação e da possibilidade de termos alguma felicidade.
O que me assusta não é que um magote de fascistas tivesse eleito Salazar. Os mortos não ressuscitam. O que espero que ainda esteja vivo, e bem vivo, é o “espírito de Abril”. Para que possamos ainda sonhar com um amanhã.
Concluindo: a vida é, apenas, o caminho que todos temos de percorrer desde o nascimento até à morte. Ao longo desse percurso, encontramos, por vezes, paisagens maravilhosas, que deleitam os nossos sentidos e as nossas almas; quase sempre, o que se nos depara são espaços, mais ou menos bonitos, a que nem prestamos grande atenção; o pior é quando entramos em terreno movediço, precipícios medonhas, que, ao menor descuido, nos aprisionam, nos magoam, quase nos matam. A verdade é que todos os troços vão passando. Não nos é permitido ficar nos que nos dão prazer, nem passar por cima dos que nos fazem chorar amargamente. A única certeza que temos é que nenhum deles dura para sempre. É a essa certeza que nos devemos agarrar nos momentos mais difíceis. Afinal... a vida é uma sequência de mortes e de renascimentos. Temos de aceitar o fim duma situação para que outra possa surgir. O caminho vai mudando e nós também. Por vezes, é doloroso. Mas, como alguém disse, “As personalidades mais fortes assentam em inúmeras cicatrizes.”.
Por mais longa que seja a vida, ninguém até hoje descobriu a fórmula da felicidade. É inegável que todos temos, em certos momento das nossas vidas, um vislumbre daquilo a que poderemos chamar felicidade. Em contrapartida, o sofrimento, sob as mais variadas formas, está quase sempre presente.
Então... se não podemos alcançar uma felicidade duradoura, talvez possamos aprender a conviver com o sofrimento, de modo a transformá-lo e a transcendê-lo.
Não perfilho qualquer religião e defino-me como agnóstica, uma vez que considero inacessível ao entendimento o humano a compreensão de problemas metafísicos como a existência de Deus ou o sentido da vida e do Universo. Tal não significa, no entanto, que não me interesse por esses problemas.
Faço a minha própria busca e devo de confessar que encontrei no Budismo, que considero uma filosofia de vida, uma forma diferente de encarar o sofrimento que, para mim, faz muito sentido e que me tem ajudado a ser um pouco mais feliz.
Tendo como base a obra “A ALQUIMIA DA DOR”, de Tsering Paldrön (Emília Marques Rosa, vice-presidente da União Budista Portuguesa e presidente da AMARA – Associação pela Dignidade na Vida e na Morte), vou tentar fazer um apanhado de conceitos e de procedimentos, que considero da maior importância para compreendermos a inutilidade (e, muitas vezes, da utilidade) do sofrimento.
O primeiro passo, perante o sofrimento, deve ser aceitá-lo. Rejeitá-lo automaticamente, negá-lo como se não existisse, não é a melhor maneira de combatê-lo. Estaremos mais preparados para enfrentar o sofrimento se, à partida, soubermos que ele existe, que não somos imunes a ele, que é mesmo inevitável em qualquer vida.
Para gerir e minimizar o sofrimento, temos de conhecer, primeiro, as suas causas.
A negação do movimento e da impermanência. É natural querermos tornar eterno aquilo que nos faz feliz ou nos dá prazer. Mas, no Universo, tudo é movimento, transformação e mudança. Por isso, tudo o que nos dá prazer pode causar-nos dor. Nada, nem a felicidade nem o sofrimento, é imutável e para sempre. O sofrimento da impermanência é bem conhecido de todos nós. O mundo não é fiável. Tudo muda e nós não queremos a mudança. O mundo não é fiável porque a sua natureza é movimento – o movimento frenético dos átomos e das partículas. O mundo não é fiável porque os fenómenos não existem da forma como os projectamos. Conscientes da instabilidade do mundo, procuramos desesperadamente a estabilidade. Para tal, apoiamo-nos no trabalho, na vida familiar e até nos pequenos gestos de todos os dias, sejam eles fumar um cigarro, tomar um café ou ler o jornal. Mas, como tudo a que nos agarramos é igualmente instável, qualquer ponto de equilíbrio é sempre de curta duração. Tudo está constantemente a mudar e nós sentimos essa mudança como uma ameaça permanente. A impermanência subtil dos fenómenos é a causa profunda das mudanças visíveis que nos fazem sofrer e também do sentimento de instabilidade e insegurança, que está sempre presente.
Por outro lado, se nada neste Mundo é permanente, todas as situações, por mais terríveis que sejam, têm uma certa duração. Pensar que uma circunstância negativa vai durar muito tempo cria um sofrimento desnecessário. Já não basta sofrer por vivermos uma situação difícil, aumentamos ainda mais o sofrimento com a convicção de que vai durar muito tempo. (Será que o maior prazer do mundo, durando muito tempo, não acabaria por provocar sofrimento?)
Muitas vezes, basta mudar a nossa perspectiva das coisas para que a situação se altere. Em vez de aceitar que somos vítimas, temos sempre a possibilidade de intervir, nem que seja através duma mudança de atitude interior. Muitas vezes é a nossa própria reacção que impede a situação de evoluir e faz com que se arraste durante muito mais tempo. Ficamos tão obcecados por ela, e presos a uma determinada visão das coisas que, no limite, quase somos nós a cultivá-la.
Devemos lembrar-nos que nada é definitivo, que não existe o “nunca mais”. O que hoje nos parece muito importante, pode não ter qualquer importância amanhã; a pessoa sem a qual nos parece impossível viver hoje, torna-se-nos indiferente daqui a uns meses a uns anos; cada dia é um novo desafio e um virá em que, de repente, entendemos que a dor passou e podemos, de novo, seguir em frente. Pensando que o mau nunca mais acaba, perdemos a coragem de continuar, deixando-nos vencer pelo desânimo. “Pensar a longo prazo é um acto de auto-sabotagem.”
Muitas situações difíceis por que passámos acabaram por se tornar momentos de grande crescimento interior ou de oportunidades inesperadas. E, para isso, bastou simplesmente “um novo olhar”, uma perspectiva diferente do problema que antes nos parecia sem solução e destruidor de todas as nossas esperanças.
"A sociedade está distraída do essencial (...). O futuro deve ser uma coisa horrorosa, vazia."
Marguerite Duras
(1914-1996)
É muito triste verificar que "este" futuro se assemelha, assustadoramente, ao presente.
Luar de Janeiro
Política portuguesa, licenciada em Engenharia Químico-Industrial. Foi Procuradora na Câmara Cooperativa (1965-1974). Depois do 25 de Abril ocupou vários cargos governamentais, sendo ministra dos Assuntos Sociais do II e III Governos Provisórios e 1ª Ministra do V Governo Constitucional. Foi depois embaixadora da UNESCO e consultora do Presidente Eanes, fundando o Movimento para o Aprofundamento da Democracia em 1986. Foi candidata às Presidenciais de 1986. Integrou variadíssimas organizações internacionais. Foi eleita Deputada pelo PS ao Parlamento Europeu em 1987.
Tem publicadas algumas obras referentes ao papel da Igreja na sociedade e à ascensão das mulheres na vida política e pública.
Neste dia, é justo lembrar uma grande portuguesa que foi Primeira-Ministra de Portugal, apenas por cem dias. Nesse curto espaço de tempo, demonstrou ser uma das raras figuras da política dotada dum, não menos raro, espírito humanista.
Que saudades! Quem dera que o actual Primeiro-Ministro tivesse um grãozinho da sua compaixão, da sua necessidade de servir os outros! O país não seria, como é neste momento, uma coisa cinzenta, desprovida de esperança e talvez até de futuro.
A melhor homenagem que posso prestar-lhe é transcrever um pequeno excerto que retirei duma entrevista sua, há alguns anos, e que conservo num dos meus "livrinhos de memórias":
"Todos, homens e mulheres, querem relações mútuas de ternura e protecção; mas uma e outra são produtos escassos porque não se fabricam nas sociedades de competição mas só se encontram nos lugares - raros - onde a compaixão e a admiração brotam de um desejo do outro que é, paradoxalmente, dar ao outro."
Luar de Janeiro
Não sou, desde que me conheço como ser pensante, grande apreciadora da vida. Estou aqui: não sei de onde vim, não sei para onde vou, não vislumbro o objectivo da existência que é, mais do que qualquer outra coisa, sofrimento.
A minha vida não é melhor nem pior do que a da maioria das pessoas e reconheço que há coisas e momentos sublimes no Mundo e nas vidas de todos nós. Mas como ser-se feliz perante o absurdo (aparente ou real) da vida?
Apesar de me considerar agnóstica, simpatizo com algumas ideias do Budismo. Sei que a felicidade depende mais de nós do que das circunstâncias, concordo que o sofrimento é, muitas vezes, provocado pelo “apego” que temos às pessoas e às coisas, que os momentos maus não duram para sempre e podem, até, ser momentos de grande crescimento interior. Sei isso tudo e, no entanto...
Como aguentar aquelas fases em que muitos dos que nos são próximos enfrentam problemas que parecem não ter resolução à vista? Parece que tudo o que é mau acontece ao mesmo tempo: desemprego ou doença grave de uns, necessidade de emigrar para sobreviver ou conflitos matrimoniais de outros. E as preocupações com os filhos e a morte...
“... o mais poderoso antídoto contra o sofrimento e a dor é o altruísmo.” , diz Tsering Paldrön, autora do livro “A Alquimia da Dor”, que tomei a liberdade de usar como título deste texto. Também acho. Aliás, sempre pensei que a Humanidade não passa dum colossal bando de “cegos” que anda às cabeçadas nas paredes, numa luta inútil para encontrar um caminho. Se é assim, o que nos resta? A ajuda mútua, o esforço conjunto para, pelo menos, diminuir a frequência e a força das “cabeçadas”.
A vida seria melhor se fôssemos menos egoístas e procurássemos o bem comum. Mas existem os “vampiros” e destes talvez fale mais tarde.
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