Domingo, 31 de Agosto de 2008
Para a Ibel, com carinho.
Mis Gaviotas
Jugando ayer desnudo por la arena,
mi niñez poco a poco vi pasar,
se me escapo sin darme cuenta apenas
soñando com volar.
Irme jugando com el viento,
caer sobre el agua un momento;
crecí soñando cerca del mar,
junto a las rocas un dia
aprendi a volar,
aprendi a volar
como mis gaviotas.
Y me fui lejos de allí
aquel dia,
sin mirar atrás creí
que jamás volveria.
Me encontré un cardo, una flor,
un sueño, un amor, una tristeza,
me fui solo y luego fuimos dos,
un beso, un adiós y todo empieza.
Otra canción, otra ilusión, otras cosas
y harto ya de andar,
hoy volví a buscar mis gaviotas.
Y no las vi, ellas también se fueron
de aquel rincón que nos unió una vez,
me quedé solo escarbando en el suelo,
buscando mi niñez.
Ellas no han de volver jamás,
ellas la dejaron atrás
bajo la arena, cerca del mar,
junto a unas rocas
que no saben volar,
que no saben volar
como mis gaviotas.
Y me voy más triste hoy
que aquel dia
que sin mirar atrás
creí que jamás volvería.
Joan Manuel Serrat
Sábado, 30 de Agosto de 2008
Para a Cris, com carinho.
Pode alguém ser quem não é?
- Senhora de preto
diga o que lhe dói
é dor ou saudade
que o peito lhe rói
o que tem, o que foi,
o que dói no peito?
- É que o meu homem partiu
- Disse-me na praia
frente ao paredão:
Tira a tua saia
dá-me a tua mão
o teu corpo, o teu mar
teu andar, teu passo
que vai sobre as ondas, vem!
Pode alguém ser quem não é?
Seja um bom agoiro
ou seja um bom presságio
sonhei com o choro
de alguém num naufrágio
não tenho confiança
já cansa este esperar
por uma carta em vão
por cá me governo
escreveu-me então
aqui é quase Inverno
aí quase Verão
mês d’Abril, águas mil
no Brasil também tem
noites de S. João e mar.
Pode alguém ser livre
se outro alguém não é
a corda dum outro
serve-me no pé
nos dois punhos, nas mãos
no pescoço, diz-me:
Pode alguém ser quem não é?
Sérgio Godinho
Sexta-feira, 29 de Agosto de 2008
Segunda-feira, 25 de Agosto de 2008
Caminante no hay camino
Todo pasa y todo queda
pêro lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos
caminos sobre la mar.
Nunca perseguí la gloria,
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles,
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
subitamente y quebrarse…
Nunca perseguí la gloria.
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se há de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar…
Hace algún tiempo en esse lugar
donde hoy los bosques se visten de espinos
se oyó la voz dun poeta gritar:
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar…
Golpe a golpe, verso a verso…
Murió el poeta lejos del hogar.
Le cubre el polvo de un país vecino.
Al alejarse le vieron llorar.
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar…
Golpe a golpe, verso a verso…
Cuando el jilguero no puede cantar.
Cuando el poeta es un peregrino,
cuando de nada nos sirve rezar.
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar…
Golpe a golpe, verso a verso…
António Machado
[musicado por Joan Manuel Serrat]
Segunda-feira, 18 de Agosto de 2008
A mulher de branco
1.Já ninguém duvida de que o romance policial é um modo respeitável de expressão artística. Eu iria mais longe: certos autores atingem, nas novelas, a qualidade da obra-prima. E penso em Georges Simenon e o seu comissário Maigret; Agatha Christie e Poirot e Miss Marple; Dashiell Hammett e Sam Spade (no fabuloso “O Falcão de Malta”, por exemplo); Raymond Chandler e o Philip Marlowe de “O Longo Adeus” – aos quais poderíamos juntar o empolgante John Le Carré. Graham Green, romancista estimado e consagrado, não escreveu romances policiais ou semipoliciais? Afinal, talvez aconteça o seguinte: há novelas cuja força e profundidade se nos impõem, seja qual for a forma de expressão escolhida. Uma história apaixonante é uma história apaixonante e o que acontece é o seguinte: a “verdade” das personagens, a complexidade da teia psicológica, o dramatismo do conflito e a variedade da peripécia, que agarram e subjugam o leitor, criam pathos, emoção única. Assim, alguns desses autores, como todos aqueles extraordinários, tornam-se aliciantes e inesquecíveis. Nunca será demais lembrar que a qualidade superior de Georges Simenon deslumbrava André Gide e José Régio. Gide julgava-o mesmo o melhor romancista francês do século XX; Régio dava voltas à cabeça para descobrir como Simenon conseguia, em meia página, criar um ambiente.
2.Wilkie Collins (1824-1889) foi um pioneiro do género. Os especialistas consideram “A Mulher de Branco” (1859) o primeiro grande romance policial. Collins, grande amigo de Dickens e escritor de muito sucesso, deixou uma obra admirável. Há décadas, a saudosa “Romano Torres” publicou uma tradução do livro. Reeditaram-no? Duvido. Faria as delícias dos leitores.
Manuel Poppe, in "O Outro Lado"
Jornal de Notícias [17.08.2008]
Sexta-feira, 15 de Agosto de 2008
O Magalhães e o choque tecnológico, aqui:
blasfemias.net/aqui2008/08/14/o-magalhaes/
Quarta-feira, 13 de Agosto de 2008
As certezas do meu mais brilhante amor
As certezas do meu mais brilhante amor
vou acender, que amanhã não há luar
eu colherei do pirilampo um só fulgor
que me desculpe o bom bichinho de o roubar
Assobiando as melodias mais bonitas
e das cidades descrevendo o que já vi
homens e faces e os seus gestos como escritas
do bem, do mal: a paz, a calma e o frenesi
Se estou sozinho é num beco que me encontro
vou porta a porta perguntando a quem me viu
se ali morei, se eu era o mesmo, e em que ponto
o meu desejo fez as malas e fugiu
Já de manhã, vai parecer tudo tão diferente
não é do vinho, nem do sono, ou do café
é só que o olho por olho, dente por dente
nos deixa o rosto assemelhado ao que não é
Não vás contar-lhes desse abraço derradeiro
nem que mudei a fechadura mal saíste
quero o teu rosto devolvido por inteiro
o desse dia em que me vi no que tu viste
Não vás tomar à letra aquilo que te disse
quando te disse que o amor é relativo
se o relativo fosse coisa que se visse
não era amor o porque morro e o porque vivo
Não vás contar que mudei a fechadura
Não vás contar que mudei a fechadura
nem revelar que reclamei dos teus anéis
o amor dura, se durar, enquanto dura
e o vento voa à procura de papéis
O vento passa à procura dum engano
e quando encontra presa fácil na cidade
bate à janela, e redemoinha, e causa dano
naquilo que é suposto ser nossa vontade
Já de manhã, vai parecer tudo tão diferente
não é do vinho, nem do sono, ou do café
é só que o olho por olho, dente por dente
nos deixa o rosto assemelhado ao que não é
Não vás contar-lhes desse abraço derradeiro
nem que mudei a fechadura mal saíste
quero o teu rosto devolvido por inteiro
o desse dia em que me vi no que tu viste
Não vás tomar à letra aquilo que te disse
quando te disse que o amor é relativo
se o relativo fosse coisa que se visse
não era amor o porque morro e o porque vivo
Sérgio Godinho, Escritor de Canções
Segunda-feira, 11 de Agosto de 2008
Para acabar com a pobreza
Swift propôs ironicamente no século XVIII uma solução radical para acabar com a pobreza: os ricos comerem os pobres.
Na Itália de Berlusconi, ao mesmo tempo que se ordena à Justiça que não investigue os métodos usados pelo primeiro-ministro para enriquecer, a solução da direita no poder para resolver o problema da pobreza é… escondê-la debaixo do tapete. Assim, em oito cidades (entre elas Assis, a do "poverello") é agora proibido pedir esmola.
O objectivo é não mostrar aos turistas que a Itália dos ricos é, afinal, a Itália dos pobres, pois, como notava o nosso Garrett, para fazer um só rico é sempre necessário um grande número de pobres.
No Portugal de Salazar, por motivos idênticos, foi proibido o pé descalço. Quem não pudesse comprar sapatos devia manter-se escondido e não andar na rua.
Hoje, para o CDS de Portas, o que está em causa é o Rendimento Social de Inserção. O Estado deve apoiar os ricos (que "criam emprego"; e as estatísticas mostram o número de empregos que têm sido criados pelas escandalosas riquezas que por aí se vêem), não os pobres.
Para estes, há os chás de caridade.
Manuel António Pina
Jornal de Notícias, 11 de Agosto de 2008
Sexta-feira, 8 de Agosto de 2008
Ruy Belo morreu no dia 8 de Agosto de 1978
com 45 anos
Atropelamento mortal
Nalgum oásis do princípio ele fora
um fugitivo brilho no olhar de Deus
-a vida havia de lho lembrar muitas vezes.
Atravessou as nossas ruas entre gatos,
a chuva molhou-lhe as pobres botas cambadas.
Teve um banco de jardim, teve amigos, um deles o sol.
Sempre sem o saber procurou Deus.
Um dia foi campos fora atrás dele, perdeu o emprego
na Câmara Municipal. Teve mãe mas depois
nunca mais foi solução para ninguém.
Naquele dia a morte instalou-o
confortavelmente no céu. Lá se foi
com seus modos humanos, seus caprichos
e um notório acanhamento em público
(há-de a princípio faltar-lhe à-vontade entre os anjos).
Tinha o nome no registo, agora habita
nas planícies ilimitadas de Deus.
Nas suas costas ainda se derrama
a tarde interrompida.
Manhãs e manhãs desfilarão sobre ele,
caracóis cobrirão a memória daquele
que foi da sua infância como qualquer de nós.
Teve um nome de aqui, andou de boca em boca,
agora é Deus que para sempre o tem na voz.
Ruy Belo, Aquele Grande Rio Eufrates
Quinta-feira, 7 de Agosto de 2008
Foto de:fgamorim
NOX
Noite, vão para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inútil tantos ásperos tormentos…
Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…
Oh! antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,
E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!
Antero de Quental
Terça-feira, 5 de Agosto de 2008
Porque mesmo de férias a vida continua...
Uma “espécie” de salário
Segundo o "Público", a proposta de alteração da lei laboral que chegou à AR prevê o pagamento de parte do salário em "espécie", mesmo sem acordo do trabalhador.
A UGT queixa-se de que a norma não constava do texto que subscreveu, e a CIP diz o mesmo. Parece que, a meio do caminho entre o Governo e a AR, está, como Drummond diria, uma pedra, e que a proposta de revisão do Código do Trabalho terá tropeçado nela, como já sucedera com a norma do Código Penal que alargou o conceito de crime continuado a crimes contra bens pessoais, metida na lei pela porta do cavalo não se sabe por quem (embora se saiba a quem aproveitará...).
Imagine-se, pois, o leitor a receber no fim do mês, em vez do salário, as "espécies" que o seu patrão bem entender e que tiver em armazém a ganhar mofo: fraldas descartáveis, sabão, pneus, quem sabe?, até jornais (pode ser uma boa solução para alguns jornais, começar a pagar aos jornalistas com as sobras das edições).
Resta saber (aguarda-se agora legislação do Governo nesse sentido) se o trabalhador poderá, depois, pagar a renda e a conta da luz com essas "espécies".
Manuel António Pina, Jornal de Notícias [04.08.2008]
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IMAGINEM
Imaginem que todos os gestores públicos das setenta e sete empresas do Estado decidiam voluntariamente baixar os seus vencimentos e prémios em dez por cento. Imaginem que decidiam fazer isso independentemente dos resultados.
Se os resultados fossem bons as reduções contribuíam para a produtividade. Se fossem maus ajudavam em muito na recuperação. Imaginem que os gestores públicos optavam por carros dez por cento mais baratos e que reduziam as suas dotações de combustível em dez por cento.
Imaginem que as suas despesas de representação diminuíam dez por cento também. Que retiravam dez por cento ao que debitam regularmente nos cartões de crédito das empresas. Imaginem ainda que os carros pagos pelo Estado para funções do Estado tinham ESTADO escrito na porta. Imaginem que só eram usados em funções do Estado.
Imaginem que dispensavam dez por cento dos assessores e consultores e passavam a utilizar a prata da casa para o serviço público. Imaginem que gastavam dez por cento menos em pacotes de rescisão para quem trabalha e não se quer reformar. Imaginem que os gestores públicos do passado, que são os pensionistas milionários do presente, se inspiravam nisto e aceitavam uma redução de dez por cento nas suas pensões. Em todas as suas pensões. Eles acumulam várias. Não era nada de muito dramático. Ainda ficavam, todos, muito acima dos mil contos por mês.
Imaginem que o faziam, por ética ou por vergonha. Imaginem que o faziam por consciência. Imaginem o efeito que isto teria no défice das contas públicas. Imaginem os postos de trabalho que se mantinham e os que se criavam. Imaginem os lugares a aumentar nas faculdades, nas escolas, nas creches e nos lares. Imaginem este dinheiro a ser usado em tribunais para reduzir dez por cento o tempo de espera por uma sentença. Ou no posto de saúde para esperarmos menos dez por cento do tempo por uma consulta ou por uma operação às cataratas.
Imaginem remédios dez por cento mais baratos. Imaginem dentistas incluídos no serviço nacional de saúde. Imaginem a segurança que os municípios podiam comprar com esses dinheiros. Imaginem uma Polícia dez por cento mais bem paga, dez por cento mais bem equipada e mais motivada. Imaginem as pensões que se podiam actualizar. Imaginem todo esse dinheiro bem gerido. Imaginem IRC, IRS e IVA a descerem dez por cento também e a economia a soltar-se à velocidade de mais dez por cento em fábricas, lojas, ateliers, teatros, cinemas, estúdios, cafés, restaurantes e jardins.
Imaginem que o inédito acto de gestão de Fernando Pinto, da TAP, de baixar dez por cento as remunerações do seu Conselho de Administração nesta altura de crise na TAP, no país e no Mundo é seguido pelas outras setenta e sete empresas públicas em Portugal. Imaginem que a histórica decisão de Fernando Pinto de reduzir em dez por cento os prémios de gestão, independentemente dos resultados serem bons ou maus, é seguida pelas outras empresas públicas.
Imaginem que é seguida por aquelas que distribuem prémios quando dão prejuízo. Imaginem que país podíamos ser se o fizéssemos. Imaginem que país seremos se não o fizermos.
Mário Crespo, Jornal de Notícias [04.08.2008]
Sábado, 2 de Agosto de 2008
Saudade – nome que diz a permanência do perdido.
Sophia de Mello Breyner
Sexta-feira, 1 de Agosto de 2008
Vivam Apenas
Vivam, apenas
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
e transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira