Terça-feira, 30 de Setembro de 2008
GUARDA CIDADE VIVA
1. O aparecimento do livro “Para sempre... talvez não”, escrito por seis raparigas, ex-finalistas do ensino secundário, em terra do Interior desconsiderado, representa sinal positivo e honra a cidade. Contra esquecimento, indiferença e egoísmo que, menosprezando parte essencial de um país, cavam a sepultura desse país, levantam-se vozes, não exactamente no deserto. Alguém as ouviu: a novelinha foi editada (pelo TMG, casa milagreira). E o gesto do TMG e o desafio das autoras merecem muita admiração e muito respeito. Simbolizam a vitória sobre os adversários e o desgosto de julgarmos que combatemos moinhos. Não é assim. Nunca andamos sozinhos: o que se atinge decorre de diálogo. As acções consequentes recuperam e transmitem a confiança na vida.
2. O valor do livro está na sinceridade, coragem e qualidade literária das seis estudantes. Creio haver percebido o talento de escritoras de mérito. É obra importante, que urge ler. Conheço a Guarda há cinco décadas e agrada-me verificar o seu avanço e a fidelidade à autenticidade de raiz. “Para sempre... talvez não” seria, certamente, impossível, nos anos 50, 60. O gelo anterior ao 25 de Abril cortou-se – e que nada volte atrás reclamam as autoras, descrevendo a sociedade actual e confessando as próprias dúvidas. Eu não duvido: nem delas, nem da cidade. Há páginas emocionantes; há poesia e inteligência superiores. Que mais podemos querer? Eu sei: que o sonho puro dessas jovens não se perca nem cesse o movimento de repensar a vida, a que nos obrigaram.
Manuel Poppe, in "O Outro Lado"
Jornal de Notícias, 28.09.2008
Terça-feira, 23 de Setembro de 2008
O milagre educativo
No ano passado foram computadores. Este ano foram diplomas e cheques, que 23 membros do Governo andaram pelo país a distribuir aos bons alunos.
É justo. Ainda há dias a ministra da Educação se congratulava, sem sorrir, com as aguardadas estatísticas de 2008, o prodigioso ano em que, em vésperas de eleições, quase ninguém chumbou (na escola, pois chumbos na vida não são problema do ME). Com notável desprendimento, o Governo atribuiu então os louros ao "esforço de professores e alunos", embora seja de justiça reconhecer que sem aquela grande ideia dos exames fáceis o país não teria decerto "milagre educativo" para festejar. Por isso, em vez de premiar os bons alunos, talvez o Governo devesse antes premiar alunos como o Luís, de 15 anos, um dos milhares de milagrados do ME, que foi notícia no "Expresso" por ter passado do 6º para o 7º ano com oito negativas e uma só positiva (a Educação Física). De facto, é a alunos como o Luís que fica a dever-se o bombástico milagre educativo português. Os bons alunos? Esses já contribuiriam para as estatísticas, com milagre ou sem ele. E apesar dele.
Manuel António Pina, in “Por Outras Palavras”
Jornal de Notícias [15.09.2008]
Segunda-feira, 22 de Setembro de 2008
Lugar da minha memória
Toada de Portalegre
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
( Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela
Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!
Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e amarelos,
Salpicados de oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...
Ora agora,
Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?
Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Como é que o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere... e consola
Com o próprio mal que faz?
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre; cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do tal suão
Já varias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...
Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a trás à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!
Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!
O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...
E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casa que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.
Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!
E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!... mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.
José Régio
Sexta-feira, 19 de Setembro de 2008
Ainda antes de Cristo, na Grécia, Eurípides aconselhou: “Fala se tens palavras mais fortes do que o silêncio, ou então guarda silêncio”. Numa sociedade cada vez mais calada e indiferente, impera perguntar o que foi feito destas palavras fortes como as muralhas, que deixavam quem as ouvia a pensar. Em emoção, em fúria, apaixonados, em desacordo ou em acordo. Mas a pensar.
O mundo calou-se e não foi para meditar. O mundo silenciou a voz porque o que é importante custa dizer. Calar-se é sempre mais fácil. Afinal, já criticava Cervantes, esse amante das palavras: “Contra quem cala não castigo nem resposta.
Falar é uma questão de coragem. E essa, já se sabe, vai escasseando. Os Que Falam, falam sempre dos mesmos perigos: a crise do petróleo, a crise sistémica global, a “especial” crise na banca internacional. Ninguém fala da generalizada crise da coragem. A coragem humana e a coragem cívica, declaradamente em risco de extinção.
A ausência das palavras “desculpa”, “obrigada”, “parabéns pelo teu trabalho” ou “amo-te” não parece preocupar ninguém. E quando Os Que Falam se reúnem, ninguém manda parar as armas. Ninguém manda matar a fome e não os homens. Ninguém assume que o mundo se está a suicidar em morte lenta e que esse é o legado que vamos deixar.
Os discursos do Governo são ora ocos, ora incoerentes. Num dia mandam-nos marcar mais golos e ser competitivos, que a vida moderna a isso obriga; no dia seguinte mandam os pais acompanharem os filhos, para não delegarem nos professores um papel que só à família pertence. Mandam-nos acelerar e mandam-nos manter um estilo de vida saudável. Porque o país precisa de nós. E quando se cansam de tanta incoerência, simplesmente não comentam ou voltam às “velhas” crises, essas de que se pode falar porque falar delas é quase o mesmo que não dizer nada.
A importância destas crises é, evidentemente, indiscutível. Mas a gravidade que o silêncio está a assumir numa sociedade em que ninguém fala com os vizinhos com os quais partilham o mesmo prédio há anos, e só uma minoria dos clientes responde ao “bom dia” dos comerciantes (e vice-versa) é igualmente assustadora.
Quando penso nisto lembro-me sempre das descrições que os vizinhos fazem do serial killer, depois de descobertos os crimes. Ele parece sempre, aos que estão habituados a vê-lo, ao longe, boa pessoa, pacato, respeitável. “Quase não metia conversa com ninguém”, descrevem muitas vezes. O problema é esse mesmo. É que, como dizia Heinrich Heine, o poeta alemão, “não há nada mais silencioso do que um canhão carregado”.
Martha Mendes [estudante da Universidade de Coimbra]
Jornal de Notícias [7.Set.2008]
Este texto, escrito pela jovem Martha, mereceu a atenção de Manuel Poppe que lhe dedicou a sua crónica de domingo e que reproduzo a seguir. As suas palavras, mais do que dizem, sugerem o mal-estar latente na sociedade actual. Uma sociedade em que as pessoas se refugiam no silêncio interior dos muros que erguem em redor de si, por medo, por hipocrisia, por comodismo, por interesses vários. Daí a necessidade de palavras fortes, corajosas, também elas como muralhas, que os derrubem, dando passagem à fraternidade e ao amor.
Obrigada, Martha! Enquanto houver jovens críticos e comprometidos, haverá esperança.
O silêncio e a morte
1. Não podia deixar passar em claro o notável, reconfortante, oportuno texto de Martha Mendes, aluna da Universidade de Coimbra, que li, neste jornal, há oito dias, na excelente secção “Universidade Pública”, onde têm aparecido páginas muito boas. Desde logo, arriscando oratória barata, direi que Martha Mendes honra a escola cujas tradições humanísticas e culturais contam séculos; e honra, também, a sua geração, porque não nasceu sozinha, entalada no tempo da mentira e do cinismo, jovem descontente e, ainda, indignada (apesar do sorriso perverso dos “adultos” arregimentados, eternos vendilhões do templo e mercadores da própria alma). “Numa sociedade cada vez mais calada e indiferente, impera perguntar o que foi feito dessas palavras fortes como as muralhas, deixavam quem as ouvia pensar”, escreve Martha. A resposta dá-a de seguida: “Falar é uma questão de coragem”. É isso que falta? Com certeza; mas como encontrá-la numa sociedade que vem transformando o homem em objecto castrado, anulado - silenciado?
2. Quando os escritores falavam (queriam ir além do confusionismo, do malabarismo formal e do piroso suave), José Marmelo e Silva deu-nos duas novelas excepcionais: “Adolescente Agrilhoado” e “Anquilose”; antes, Régio lançara, na revista “presença” (disponível em fac-símile, editora Contexto), “A lição inútil ou carta a um juvenil individualista”. Há muitos anos? Os suficientes para que avançasse e se consolidasse o processo de desumanização em curso: a agonia e morte do Homem. A crise está aí (o cancro neoliberalista); e está aí o apaixonado grito de Martha Mendes, que é uma lição. E nenhuma lição é inútil.
Manuel Poppe, in O Outro Lado
Jornal de Notícias [14.Set.2008]
PORQUE PENSAR É PRECISO…
Quarta-feira, 17 de Setembro de 2008
Sábado, 13 de Setembro de 2008
MONET
130 Anos de Impressionismo
Claude Monet nasceu em 1840 em Paris, mas viveu a partir dos cinco anos no Havre, onde desenvolveu o apreço pela natureza que tão bem pintou ao longo da sua vida. Filho de comerciante, aos quinze anos já era conhecido na região pelas caricaturas que vendia numa loja local. E foi nessa loja que conheceu o pintor Eugène Boudin, o qual o incentivou e orientou a pintar paisagens.
Aos dezassete anos, foi viver para Paris onde recebeu aulas de pintura e onde foi conhecendo e convivendo com outros artistas, como Pissarro, Sisley e Manet. Esteve dois anos na Argélia a cumprir o serviço militar e regressou à capital francesa, começando a ter algum sucesso com os quadros que expunha, quer no Havre quer em Paris.
Aos vinte e sete anos, o pai, que sempre o tinha apoiado financeiramente, não tolerou a ideia de Claude ir ter um filho da sua namorada Camille, cortando-lhe os financiamentos. Por isso, regressou para casa dos pais no Havre e não acompanhou o nascimento do filho Jean. Voltou a Paris mais tarde para se reunir a Camille, com quem veio a casar em 1870, aos trinta anos.
Os Monets residiram cerca de um anos em Inglaterra e na Holanda, onde Claude desenvolveu o seu estilo, deixando-se conquistar pelo ambiente e exprimindo-se com “pinceladas vibrantes de cores puras, de modo a obter a fusão dos tons nos olhos dos espectadores, em vez de os misturar na paleta”. Os céus limpos e nublados, a atmosfera húmida e vaporosa, a água em movimento e, sobretudo, as vibrações da luz mereciam a sua atenção.
Impressão, Sol nascente
A primeira grande exposição do seu grupo de amigos – agora também com Degas e Cézanne, entre outros – teve lugar em Paris, em Abril de 1874. E foi o título de uma das obras expostas por Manet – Impressão, Sol nascente – que originou o termo Impressionismo, utilizado por um crítico da época e que veio a designar o movimento artístico liderado por este grupo.
Os impressionistas utilizaram uma técnica que “dissolve a forma, a superfície e os volumes, minimizando os corpos físicos e representando os ambientes de uma forma fluida, dissolvendo os objectos na luz, que se salienta em pinceladas justapostas de cor pura”. Romperam com o intelectualismo materialista, realizando-se cada artista livremente, segundo o pendor individual da sua sensibilidade.
Claude foi considerado por alguns o mais impressionista dos impressionistas. A sua paixão pela pintura orientou toda a sua vida. Entre 1872 e 1878 utilizou como estúdio um barco que comprou e no qual passava inúmeras horas a flutuar, pintando, no rio Sena. Em 1879, quando ele tinha trinta e nove anos, Camille faleceu, um ano depois de lhe ter dado o segundo filho, Michel.
Claude iniciou então uma relação com Alice Hoschedé, esposa de um seu amigo. Ambos se afastaram do grupo de Paris, indo viver para Giverny. Ela assumiu a educação dos filhos de ambos, enquanto ele aproveitava para se deslocar às costas francesa e inglesa, pintando cada vez mais remotos sítios. Casaram em 1892, após a morte do marido de Alice.
Le Bassin aux Nymphéas, Harmonie Verte
Mas foi também no jardim da sua casa de Giverny, por ele criado, que muito se inspirou, nomeadamente no estúdio que aí mandou construir e onde pintou até à morte, que ocorreu aos oitenta e seis anos, depois de ter ficado de novo viúvo aos setenta. Procurava desenvolver a sua relação com a natureza para melhor se compreender a si próprio e ao mundo, numa despojada e depuradora perspectiva evolucionista.
Alguns dos quadros de Monet são dos mais famosos do Impressionismo, destacando-se as séries da Gare de Saint-Lazare (1876-1878), dos Degelos (1880), da Catedral de Ruão (1892-1894) e, principalmente, as Nymphéas, pintadas nas suas duas décadas de vida. O quadro Le Bassin aux Nymphéas, Harmonie Verte (1899) é considerado das mais belas obras alguma vez pintadas por um ser humano.
Luís Portela, O Prazer de Ser
Quarta-feira, 10 de Setembro de 2008
A VERDADE oculta-se por detrás das
das suas diferentes interpretações
Vencedores do 1º Prémio de Ilusionismo
É impossível deixar de admirar, neste início de ano lectivo, os truques de magia, destes dois campeões, para convencer o Zé Povinho de que tudo vai bem no Reino da Educação.
Infelizmente, muito boa gente acredita. Porque só quem lá está percebe o tamanho logro que é este pretenso sucesso.
O início desta desgraça não é de hoje, já sabemos. Mas os sucessivos governos não têm feito mais do que agravá-la. No futuro, o país e os portugueses pagarão a hipoteca. Mas querem lá eles saber! Não há crimes em política... só enganos. E quem paga a factura são sempre os enganados.
Segunda-feira, 8 de Setembro de 2008
SÍSIFO
Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...
Miguel Torga
Sexta-feira, 5 de Setembro de 2008
Quarta-feira, 3 de Setembro de 2008
A Paixão (Segundo Nicolau da Viola)
Tu eras aquela que eu mais queria
Para me dar algum conforto e companhia
Era só contigo que eu sonhava andar
Para todo o lado e até quem sabe? talvez casar
Ai o que eu passei só por te amar
A saliva que eu gastei para te mudar
Mas esse teu mundo era mais forte do que eu
E nem com a força da música ele se moveu
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Para te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Era só a ti que eu mais queria
Ao meu lado no concerto nesse dia
Juntos no escuro de mão dada a ouvir
Aquela música maluca sempre a subir
Mas tu não ficaste nem meia hora
Não fizeste um esforço para gostar e foste embora
Contigo aprendi uma grande lição
Não se ama alguém que não ouve a mesma canção
Mesmo sabendo que não gostavas
Empenhei o meu anel de rubi
Para te levar ao concerto
Que havia no Rivoli
Foi nesse dia que percebi
Nada mais por nós havia a fazer
A minha paixão por ti era um lume
Que não tinha mais lenha por onde arder
Letra: Carlos Tê
Música: Rui Veloso
Terça-feira, 2 de Setembro de 2008
Há 69 anos atrás (1 de Setembro de 1939), Hitler, ao invadir a Polónia, iniciava a 2ª Guerra Mundial. Razão mais que suficiente para publicar, aqui, o relato da visita ao campo de concentração de Auchewitz, que um amigo acabou de fazer.
Porque é perigoso perder a memória dos crimes nazis... porque não se pode esquecer o que não se pode compreender nem perdoar.
Regresso das férias que incluíram uma semana na Polónia: Cracóvia, um pouquinho de Varsóvia e Auschwitz. Auschwitz-Birkenau.
Às 8 da manhã de 17 de Agosto já estou na Estação de Camionagem de Cracóvia, aguardando a saída do autocarro, num percurso de 1h e 20m para cerca de 60 km. A viatura já conheceu melhores dias, a estrada faz lembrar as de S. Miguel há 40 anos, estreita, com mau piso, os passageiros, que enchem o autocarro, são quase todos jovens (ainda bem) e fala-se italiano, francês, espanhol e inglês; há uma freira, polaca, uma miúda, trajada a rigor, que se embrenha na leitura do breviário… muita freira e muito padre há neste país, sempre trajando a rigor!
A lentidão da viagem ajuda-me a uma preparação psicológica de que sinto necessidade, apesar do que aprendi em muitos livros, documentários e filmes sobre aquilo a que Jorge Semprun, prisioneiro em Mauthausen, chamou o "mal definitivo"... Eu sei ao que vou, mas tenho dificuldade em interiorizar que, depois de pensar por tanto tempo em vir aqui, esteja agora tão próximo do lugar da Besta.
A ronceirice da viagem é quebrada pelos sinais de chegada a uma localidade - Oswiecim, Auschwitz em polaco - e vejo um cartaz, à beira da estrada onde se lê "Auschwitz, terra de paz".
Pouco depois, chegámos a um parque de estacionamento, há muitos autocarros, automóveis, caravanas, muita gente e um edifício com a cor típica do campo, a do tijolo; entro, há alguma confusão, uma livraria, uma pequena exposição, uma sala de projecção de filmes, balcões para visitas guiadas - eu dispenso os grupos, quero estar sozinho. Saio do casarão, há uma zona de terra, árvores e dou comigo em frente ao célebre portão com a inscrição "Arbeit macht frei"… Preciso de parar, a transição foi demasiado rápida, deixar que os meus olhos absorvam tudo. Passo o portão, e vou seguindo ao acaso por entre os numerosos barracões - aqui, tocava a orquestra, formada por prisioneiros, mais além está o terreiro onde se faziam as terríveis contagens de detidos, durante horas e horas - uma delas prolongou-se por 19 horas, todos em formatura, às vezes nus, os mortos da noite colocados no chão… Mais à frente, o muro das execuções, onde se assassinavam, a tiro, os desgraçados que a Gestapo e as SS entendiam matar… Ainda aqui estão também os cadafalsos onde os nazis enforcavam outros prisioneiros, aqueles a quem queriam provocar maior sofrimento… Entro nalguns barracões, circulando pelo emaranhado de corredores balizados pelos postes de sustentação do arame farpado, que era electrificado… o edifício da Gestapo, com as celas na cave, as salas, noutros edifícios, onde estão expostos os cabelos cortados às mulheres, os sapatos, as roupas, de adultos e de crianças, os óculos, os objectos pessoais, as malas - há fotos, muitas fotos, de prisioneiros, e muitos expositores com documentação dos alemães, sempre meticulosos na burocracia… E ali está o barracão das experiências pseudo-científicas dos médicos de Auschwitz… e quase à saída, a primeira câmara de gás e crematório que os nazis instalaram aqui, e onde ensaiaram a forma mais expedita de matar um milhão e meio de pessoas…
No total, estão neste sector, 28 barracões, que chegaram a alojar, em 1942, 20 mil pessoas, trabalhadores forçados nas fábricas que funcionavam em Auschwitz e que vinham aproveitar-se da mão-de-obra escrava.
É altura de passar ao campo da morte, Birkenau, a cerca de 3 km, feitos num autocarro gratuito; circula-se por uma estrada prazenteira, em plena planície, e, minutos depois, cá estamos, junto à linha de caminho-de-ferro que entra no campo passando por debaixo de uma torre onde estava o controlo geral de Birkenau. Não fazia ideia de que isto fosse tão grande, o terreno é plano, estende-se até lá ao fundo, ao bosque… e o tempo está, como por vezes acontece nos Açores, marcado por uma "calma tranquila" - expressão que procurei durante anos para caracterizar alguns dias de S. Miguel, aquela leveza dos ares, o sossego… -
Sigo a linha do comboio, até à "rampa dos Judeus", onde se fazia a selecção dos recém-chegados de todos os países ocupados pelos alemães, o chão é de gravilha, ladeado por relva dos dois lados, tenho, por companhia, o som dos meus passos, o canto dos pássaros e a cor dos trevos, amarela, animando o verde circundante. Aqui estava o poder absoluto, a decisão final: desembarcados dos vagões de gado, os médicos SS escolhiam… para a esquerda, a morte imediata, para a direita, a morte adiada…
Mengele, o "Anjo da Morte", reinava aqui, sempre impecavelmente fardado, botas luzindo, jovem, alto e loiro, cheirando a água de colónia, formado em Filosofia e Medicina. Dizem sobreviventes que gostava de assobiar trechos de obras de Wagner, e que tinha movimentos vivos e delicados nas mãos com que indicava as suas decisões… Mengele que era obcecado por gémeos e por indivíduos com deformações físicas, que apreciava "estudar" depois de mortos… Mengele que sobreviveu à guerra e acabou por morrer no Brasil, já velho, com um ataque de coração enquanto nadava…
Saio da rampa e dou comigo na estrada, à esquerda da linha, que era a que percorriam os que tinham sido escolhidos para a morte imediata - idosos, e mulheres com filhos abaixo dos 14 anos… Lá ao fundo estão as câmaras de gás e os crematórios, destruídos pelos nazis quando perceberam que os russos estavam perto (um deles foi demolido na sequência da única revolta registada em Birkenau, desencadeada por um grupo de prisioneiros que trabalhava nas câmaras de gás); os degraus que se desciam para a morte têm latinhas com velas e flores que os visitantes deixam aqui, há grupos de jovens israelitas que circulam pelo campo, acompanhados por adultos e percebo que alguns dos miúdos estão como que bloqueados mentalmente, sentam-se com um ar vazio, há outros que choram, em silêncio. Vejo que a linha de comboio vem até junto das câmaras, sei depois que a prolongaram até aqui quando, entre Maio e Julho de 44, cerca de 440 mil judeus húngaros vieram para Birkenau, levando as SS a acelerar o processo de extermínio… Há um casal jovem com um bebé, mesmo no fim da linha, acendem uma vela, a jovem senta-se nos carris e chora convulsivamente, afasto-me e sigo para o bosque que rodeia as câmaras de gás - passo pelo terreiro onde se queimaram corpos (porque os crematórios, nesses meses de 44 não conseguiam cremar todos os mortos) e vou parar a um dos lagos onde os nazis depositavam as cinzas dos assassinados… Caem alguns pingos de chuva, há uma garça real pousada à borda d'água, imóvel, parece estar de guarda, algumas plantas, com um aspecto muito viçoso, saem da água, firmes, à vertical… a chuva apagou as velas que estão por aqui, mas, entretanto, deixou de cair, e aproveito para acender uma delas… continuo e passo pelo pequeno bosque onde judeus aguardavam a entrada nas câmaras de gás, a minha memória visual recupera as imagens das fotos (que vi em tempos) das mulheres e crianças aqui sentadas, com um ar despreocupado, não sabem ao que vão, falaram-lhes em duche... sinto necessidade de tocar nas árvores… volto atrás e vou até ao Monumento internacional de homenagem às vítimas de Auschwitz-Birkenau… e está a decorrer uma cerimónia promovida por gente que já não é nova; há uma bandeira de uma organização de veteranos de Israel, do grupo destacam-se três pessoas, uma senhora e dois homens. Dos homens, um segura uma fotografia ampliada, que se percebe ser ele, ainda adolescente, prisioneiro, com um número, o seu número de preso - 157.615; acendem velas, depositam uma coroa de flores e há um senhor que vem para a frente do conjunto e que, voltado para o monumento, faz o que me parece ser uma oração, percebo que diz "Adonai, Adonai"… mas é uma reza imprecativa, interrogativa, quase que grita, chora… a cerimónia termina e vejo que senhora do trio de ex-prisioneiros está acompanhada por um jovem, a quem digo que gostava de a cumprimentar… o rapaz diz-me que esteja à vontade, a senhora é judia francesa, esteve presa 1 ano e 4 meses, e fez parte da "marcha da morte" para outro campo, Bergen-Belsen, quando os nazis, sabendo da chegada dos russos, deslocaram para outros campos, no interior da Alemanha, os sobreviventes de Auschwitz. A senhora é uma "madame" na melhor acepção da palavra, diz-se encantada por encontrar um português, desejo-lhe muita saúde e faço uma coisa que nunca tinha feito na vida - beijo-lhe a mão… E só depois lamento já não ter mais fotos no rolo (ainda não uso digital…) Vou saindo de Birkenau lentamente, ainda passo pelos barracões das mulheres, pelas latrinas, e por um barracão onde estiveram 148 crianças húngaras, antes de serem mortas - está lá um cartãozinho, que diz, em inglês, "Em memória de Hulinéck, morto, aos 3 anos, em Birkenau", com uma tira com as cores nacionais da Hungria, vermelho, branco e verde…
Subo à torre de entrada e lanço um olhar, lá de cima, ao longo do campo, enorme, e penso, mataram tanta gente, tão impiedosamente, tão fria e cruelmente… e as últimas vitimas foram assassinadas poucos meses antes de eu nascer… os judeus húngaros, depois os do gueto de Lodz e ainda os da Grécia, de Corfu…
Volto a Cracóvia, de novo com o autocarro cheio, de novo gente nova… Agora reina o silêncio, e eu também venho a pensar no que vou dizer à Joana, minha filha de 9 anos, quando ela me perguntar porque é que fui a Auzchwitz-Birkenau…
PS - Em Auschwitz-Birkenau, não foram assassinados só judeus; também mataram ciganos, testemunhas de Jeová, homossexuais, prisioneiros de guerra russos, resistentes polacos, embora em menor número.
João Coelho
http://www.lastfm.pt/music/Jacques+Brel/+videos/+1-H1DpjXQUDsI
La Chanson des Vieux Amants
Bien sûr nous eûmes des orages
Vingt ans d’amour c’est l’amour fol
Mille fois tu pris ton baggage
Mille fois je pris mon envol
Et chaque meuble se souvient
Dans cette chambre sans berceau
Des éclats des vieilles tempêtes
Plus rien ne ressemblait à rien
Tu avais perdu le gout de l’eau
Et moi celui de la conquête
Mais mon amour
Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
De l’aube claire jusqu’à la fin du jour
Je t’aime encore, tu sais je t’aime
Moi je sais tous les sortilèges
Tu sais tous mes envoûtements
Tu m’a gardé de piège em piège
Je t’ai perdue de temps en temps
Bien sûr tu pris quelques amants
Il faut bien passer le temps
Il faut bien que le corps exulte
Finalement, finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes
Oh, mon amour
Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
De l’aube claire jusqu’à la fin du jour
Je t’aime encore, tu sais je t’aime
Et plus le temps nous fait cortège
Et plus le temps nous fait tourment
Mais n’est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l’eau
Mais c’est toujours la tendre guerre
Oh, mon amour
Mon doux, mon tendre, mon merveilleux amour
De l’aube claire jusqu’à la fin du jour
Je t’aime encore, tu sais je t’aime