Segunda-feira, 29 de Junho de 2009
Vila do Conde.Estátua de José Régio
Poema do silêncio
Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angústia e de revolta.
Foi em meu nome que fiz,
A carvão, a sangue, a giz,
Sátiras e epigramas nas paredes
Que não vi serem necessárias e vós vedes.
Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
-Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!
Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razão das épi-trági-cómicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...
O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. Ânsias de Altura e Abismo,
Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.
Que só por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!
Senhor meu Deus em que não creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.
Sofro, assim, pelo que sou,
Sofro por este chão que aos pés se me pegou,
Sofro por não poder fugir.
Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!
Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!
(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)
Senhor dá-me o poder de estar calado,
Quieto, maniatado, iluminado.
Se os gestos e as palavras que sonhei,
Nunca os usei nem usarei,
Se nada do que levo a efeito vale,
Que eu me não mova! que eu não fale!
Ah! também sei que, trabalhando só por mim,
Era por um de nós. E assim,
Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,
Lutava um homem pela humanidade.
Mas o meu sonho megalómano é maior
Do que a própria imensa dor
De compreender como é egoísta
A minha máxima conquista...
Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros
Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,
E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,
E sobre mim de novo descerá...
Sim, descerá da tua mão compadecida,
Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.
E uma terra sem flor e uma pedra sem nome
Saciarão a minha fome.
José Régio
Quinta-feira, 25 de Junho de 2009
Édouard Manet.A amante de Baudelaire, reclinada
A que está sempre alegre
Teu ar, teu gesto, tua fronte
São belos qual bela paisagem;
O riso brinca em tua imagem
Qual vento fresco no horizonte.
A mágoa que te roça os passos
Sucumbe à tua mocidade,
À tua chama, à claridade
Dos teus ombros e dos teus braços.
As fulgurantes, vivas cores
De tua vestes indiscretas
Lançam no espírito dos poetas
A imagem de um ballet de flores.
Tais vestes loucas são o emblema
De teu espírito travesso;
Ó louca por quem enlouqueço,
Te odeio e te amo, eis meu dilema!
Certa vez, num belo jardim,
Ao arrastar minha atonia,
Senti, como cruel ironia,
O sol erguer-se contra mim;
E humilhado pela beleza
Da primavera ébria de cor,
Ali castiguei numa flor
A insolência da Natureza.
Assim eu quisera uma noite,
Quando a hora da volúpia soa,
Às frondes de tua pessoa
Subir, tendo à mão um açoite,
Punir-te a carne embevecida,
Magoar o teu peito perdoado
E abrir em teu flanco assustado
Uma larga e funda ferida,
E, como êxtase supremo,
Por entre esses lábios frementes,
Mais deslumbrantes, mais ridentes,
Infundir-te, irmã, meu veneno!
Baudelaire, in As Flores do Mal
Domingo, 21 de Junho de 2009
Coimbra, 17 de Julho de 1953 – Tento compreender o meu caso, explicar a razão dos escrúpulos que me atormentam. Talvez porque me defendo mal e sou incapaz de transformar em oiro o latão das falências, necessito de fazer as coisas bem, o melhor que posso, de levar cada acto à bigorna do absoluto. Vejo os meus defeitos e erros com uma acuidade de milhafre que a mil metros de altura descobre uma minhoca num lameiro. Não importa que os outros ignorem isso, ou que eu, aparentemente, me contradiga. Por dentro é assim. Corrói-me uma tal crueldade de auto-análise, uma severidade tão desumana de juiz honrado em causa própria, que me condeno antes dos crimes, logo ao dealbar da consciência deles, embora depois não resista à tentação de os cometer. Por isso, numa precaução instintiva, espremo as poucas virtudes que possuo até elas me secarem nas mãos. Que não seja por falta de esforço e de sinceridade que a obra falhe e o homem deixe de ter dignidade. Infelizmente, a silha acaba por se marcar no corpo e na alma. E há qualquer coisa de penitente perpétuo na minha fisionomia quotidiana. Caminho ao encontro da vida não como o namorado que se dirige ao encontro da noiva, mas como um funcionário que vai prestar contas ao patrão.
Devo acrescentar, porém, que esse sentido da responsabilidade não esmoreceu nem azedou a força instintiva da esperança que sempre senti latejar no ânimo e no coração. Creio até que, pelo contrário, foi inabalável a confiança no futuro que, pondo-me na obrigação moral de o ajudar a construir, carregou de pânico os meus passos e de sombras o meu rosto. Como os méritos são poucos e os tempos não auxiliam, a pobre areia do meu concurso parece-me irrisória. Deponho-a, contudo, conscienciosamente, aos pés do edifício a erguer, e a tristeza com que o faço, que pode parecer apenas desespero, é, sobretudo, amargura por não ser capaz de mais.
Miguel Torga, Diário VII
Segunda-feira, 8 de Junho de 2009
Quem semeia ventos
colhe tempestades!
Acredito que os Professores foram parte importante desta tempestade.
Mas não tenhamos ilusões! Os partidos ditos do poder vão continuar com esta política na Educação.
É preciso que nas próximas Eleições Legislativas não nos deixemos iludir com o voto útil.
Só uma oposição forte, um contrapoder eficaz, pode obrigar o Governo a seguir políticas educativas credíveis e a respeitar a função docente.
Domingo, 7 de Junho de 2009
Não votar, salvo motivos intransponíveis, significa renunciar a um direito fundamental que custou muitos sacrifícios (e até vidas!) oferecidos ao sonho da Democracia.
António Freitas Cruz
Jornal de Notícias [7.Junho.2009]
Eu já votei.
Porque se é verdade que a cidadania não se esgota no voto, não posso deixar de afirmar o que quero (ou não quero) para mim, para o meu País, para a Europa e para o Mundo. Porque é de nós todos que depende o presente e o futuro.
Quinta-feira, 4 de Junho de 2009
Antiga Alfândega de Miranda do Douro
A Alfândega do séc. XV tinha o portal, em arco quebrado, recuado em relação à fachada actual. Um alpendre corria ao longo da frontaria medieval. No séc. XVI, o seu novo portal, em arco de volta perfeita, e incrustado de motivos manuelinos, avançou sobre a rua. Nos finais do séc. XIX, foram rasgadas as actuais janelas, entre outras reformas. Na segunda metade do séc. XX, o telhado medieval, de duas águas, fica apenas com uma pendente. Em 2004, o edifício foi restaurado, tendo sido conservadas as marcas fundamentais da sua longa história. Alfândega, primeiro, posto da Guarda, depois, é hoje a Casa da Cultura Mirandesa.