Domingo, 29 de Julho de 2012

A Amante de Brecht

[…] Hans Trow esperava debaixo do enorme relógio do refeitório. A luz entrava pela janela e aclarava o fato cinzento e a camisa branca de gola aberta, impecavelmente engomada. Virou-se para ver Maria aproximar-se. Levantou a cabeça com ar embaraçado quando ela chegou junto de si.

Bom-dia, Hans, disse ela, pensou ela, repetiu ela interiormente.

- Tenho pouco tempo – disse Hans.

Dê-mo só para mim, suplico-lhe, pensou Maria. Ficou diante dele com ar embaraçado e sorriso algo formal. Ele tem ar de um simples jovem mas existirá neste país um simples jovem de coração puro… neste país à deriva…

- Como está?

Ela não compreende o que ouve. Hans vira-se, sorriso imperceptível e doce. Diz-lhe, enquanto faz tilintar alguma coisa metálica no bolso:

- Por que não partiu para o Ocidente?

Ele sentou-se a um canto da mesa.

- Se lho tivesse pedido…

- Eu teria respondido que podia partir.

Ela estremeceu, afastou-se um pouco e os olhos foram parar nos grafitis obscenos da parede, gastos pela humidade. Sentia-se inabitada. Um fantasma. Fechou os braços contra a blusa. Hans Trow apercebeu-se de que ela tremia. Aproximou-se dela e pousou-lhe a mão sobre o ombro.

- Como é que vai isso?

- Não vai lá muito bem.

Ela acrescentou:

- Acontece-me frequentemente.

Hans olhou-a fixamente e os músculos em redor dos olhos de Maria estremeceram ligeiramente. Hans não soube o que dizer; puxou devagar as pegas da mala de mão de Maria e fez girar a pequena fechadura de couro num clique. Maria pensou: Dêem-me uma ilha para amar este homem, qualquer ilha; só para mim, este homem, nem que seja por uma semana na minha vida…

As longas filas de mesas desprendiam um oceano de tristeza. Os braços de Maria, tão belos, pendiam ao longo do corpo. Hans examinava as fotos, as instruções, os envelopes cobertos de pequenas notas, gatafunhos, redigidos por Maria, contendo reflexões pessoais e frases retiradas do contexto quando Brecht, depois de três bagaços, começava a falar, à noite, no meio das velas.

- O que é que ele lhe fez?

- Nada de especial.

- Ele ainda pensa na China?

- Sempre.

Meu Deus, pensou ela, que ele me tome, que me agarre, que nunca mais se vá embora… nunca mais… Meu Deus, faz com que isso aconteça…

- Tenho pouco tempo, Maria, mas tem de chegar ao Ocidente.

Sim, Hans, bem, Hans, compreendeste, Hans, que é preciso para que venhas comigo?

- Você é uma pessoa especial, Maria Eich, mas deve partir, a mais-valia comunista tornar-se-á algo secundário, sobretudo para alguém como você. Você já não está em condições.

Ela esteve quase a dizer-lhe: “Sou um coração puro e ardente.”

Hans disse:

- Já não precisa de estar dependente desta gente.

Ele procurou fórmulas atenciosas, educadas, sinceras para acabar com esta situação crítica da observação tão próximo dele.

- Você conseguiu tudo o que podia conseguir, Maria.

Agarrou-a pelo pulso, a mala estava aberta entre eles sobre a mesa, ela quis apoiar-se mais estreitamente contra ele e isso desequilibrou-a. Colou a cara ao casaco dele e não se mexeu mais.

O cheiro quente e doce dos pinheiros e das ervas da nossa ilha, apenas os dois, uma semana, peço uma só semana.

Hans desprendeu-se devagar e apanhou as fotos que estavam espalhadas no chão.

- Deve partir… Quando voltar a Berlim em Setembro, encontrará os documentos para o Ocidente, e dinheiro, ocupar-me-ei disso pessoalmente…

Ela parecia uma estátua, com os olhos desmesuradamente abertos. O seu lábio inferior tremia. Ele apanhava a papelada, devolveu a mala de mão, imprimiu nos gestos toda a cortesia e a sensibilidade que podia mas Maria tinha um ar adormecido, como num sonho.

- Agradeço-lhe – disse ela com voz apagada.

- Não me agradeça, Maria.

Emergiram no pátio. Um sol duro cegava-os.

- Não esteja triste – disse ele. – Mas não nos voltaremos a ver.

Alcançaram uma espécie de piscina cimentada com encaixes de alcatrão. Um carro preto soviético esperava, um desses grandes carros oficiais que atravessam Berlim a toda a hora.

Hans abriu a porta do carro e olhou para Maria.

- Aonde vai?

- Buscar a minha bicicleta.

Ele brinca com as últimas gotas do meu sangue e da minha vida… O difícil trabalho da respiração. Vou morrer, pensou Maria, os olhos enevoados.

O pára-brisas girou num brilho de luz, depois o carro avançou por detrás das vedações. Já não havia ilha, nem jardins perfumados. Apenas uma velha parede, janelas com grades. Maria sentiu-se cercada numa imensa paisagem. Verdura sem reflexos. Pedalava, chorando devagar e examinava, incrédula, o céu imenso.

Dai-me uma semana numa ilha com ele, um só dia…

[…]

A publicação das obras completas de Brecht, de Suhrkamp, interessou Maria enormemente. Folheou e comprou os pesados volumes. Os seus anos de actriz desfilaram. Não se falava dela nas notas; ficou feliz.

Mantinha um amor secreto que tinha por nome Hans Trow. Apercebeu-se disso numa tarde em que lia o Zeit à beira do Neckar. Na página oito, podiam ver-se vários polícias de uniforme, os Vopos. Tinham descoberto a entrada de um túnel em Berlim-Leste, numa cave de restaurante. Havia o rosto de um homem vestido à civil, de cinzento, e, sem hesitar, Maria reconheceu Hans Trow, a sua expressão de curiosidade, a forma um pouco fugaz do maxilar, um ligeiro sorriso. Ficou com um nó no estômago. Sentiu a cabeça bloquear. Sentiu-se desfalecer, a boca seca. A tarde foi negra, obscura, terrível, o serão interminável, desolado. Caminhou ao longo das casas do bairro, escalou as colinas mais azuladas mas nada a salvou do desgosto. As pernas seguiam as sombras. Num minuto, ela perdera os seus hábitos, pensamentos, o sentimento de confiança que tinha penosamente reconquistado aqui, com os seus passeios solitários, as horas de natação, os circuitos de carro pelas estradas, tudo fracassara.

Refugiou-se por fim numa taberna. Bebeu. Para soltar o aperto, a dor. Mas existia, a soar nela, desde há muito tempo, uma prece nunca atendida, uma prece da qual não espera mais nada.

[…]

Maria folheava os jornais, pilhas inteiras, jornais alemães, austríacos. O Muro de Berlim teve uma estranha influência no espírito de Maria. Em vez de rejeitar o marxismo, interessou-se por ele como quem se interessa pela filoxera ou gangrena. Sentia nela forças inibidoras, um estado de bizarra fermentação psicológica. Não conseguia imaginar a vida dos outros. Passava os dias a contemplar fixamente as famílias, a interrogar-se sobre os laços que as pessoas teciam entre si. Como é que se podia falar, calar, dormir com alguém, dizer disparates, jogar às cartas, fazer coisas?

[…]

Talvez tenha sido incapaz de compreender Brecht e o Berliner… Talvez a sua inteligência solitária tenha sido demasiado estreita, limitada, enevoada. Teria sido demasiado presunçosa?

A imagem de um arbusto à sombra do gigantesco carvalho fê-la sorrir. Sim, ela tinha espionado não o “homem que amava” mas o homem que “a fascinara”. Berlim, lá longe, brilhava num mundo que lhe era totalmente estranho. Tinha a impressão de voltar a si, lentamente, como uma pessoa convalescente. Seria a sua incapacidade para compreender os jogos? As situações? Sem dúvida teria sido demasiado sensível. Demasiado sentimental? Mas toda a sua energia, o seu “coração ardente e puro” tinham encalhado nestes serões tristes. Turno da noite, mundo fantasmático e apaziguado… Poderia um dia desculpar-se por ter espiado Brecht?

Desde há tanto tempo, a sua incapacidade para compreender um mundo binário, fragmentado, dogmático e frio tinha-a reduzido a um fantasma. Ela era uma ausência no mundo. Sabia que aqui, pelo menos, com ou sem alunos, no Verão que findava, nesta coberta tão fina colocado sobre o Tempo, podia morrer-se e até sorrir. A violência do mundo exterior não atingia este pátio.

 

Jacques-Pierre Amette, A Amante de Brecht

 

publicado por Elisabete às 20:06
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Sexta-feira, 13 de Julho de 2012

Eu é que lhe estou agradecido

 

NOTA DO AUTOR 

          Parte substancial desta ficção foi inspirada na aventura vivida por Hermínio da Palma Inácio e pelos seus companheiros na tentativa de assalto à cidade da Covilhã, em Agosto de 1968.

          Como se tornará evidente para quem conheça minimamente o que aconteceu nesse episódio da luta contra a ditadura, esteve sempre longe dos propósitos do autor o narrar com rigor histórico os factos então ocorridos. Mais longe ainda esteve a intenção de retratar as pessoas que nele intervieram. No que lhes diz respeito, com este texto apenas se pretendeu homenagear a sua coragem.

 

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— Puta-merda!

Como era seu hábito, Simões de Almeida estava à janela analisando o céu, de um cinzento carregado. A exclamação, uma das suas raras concessões a plebeísmos, dirigia-se justamente à chuva que naquele dia parecia não querer começar.

No Porto, tinham sido os três instalados numa cela minúscula do edifício velho. Este, onde, além de Simões de Almeida, estavam Alberto e Vítor, era um cárcere exíguo, com dois beliches, um em frente do outro e com a cabeceira sob a janela. A janela deitava para um pátio. Sob a janela, projectando-se em L, havia um telheiro de zinco debaixo do qual os agentes arrumavam os automóveis. Em frente, situava-se o muro do edifício que dá para a Rua do Heroísmo, com um portão a meio, dando acesso ao pátio. À direita erguiam-se as instalações da PIDE, geralmente iluminadas durante a noite. Em frente da janela, no pátio, perfilava-se, dia e noite, um guarda-republicano armado de pistola-metralhadora e com ordem de atirar caso divisasse movimentos suspeitos. Cá fora, já na rua, à esquerda do portão, havia uma guarita com um guarda da PSP.

Na antecâmara da cela estavam, também permanentemente, dois guardas dos Serviços Prisionais, reforçados durante a noite por dois agentes da PIDE. Nessa pequena sala havia um telefone por onde os guardas e os agentes iam informando das ocorrências os respectivos comandos. Frequentemente abriam o postigo da porta e perscrutavam o interior da cela. A Simões de Almeida fora destinado o beliche que ficava em frente da porta, para que pudesse estar sob a permanente observação dos guardas e dos agentes. Vítor e Alberto dormiam no outro, que ficava fora do campo de visão permitido pelo postigo.

As grades da janela, encimada por uma bandeira reclinável, não eram muito grossas e pareciam estar ao alcance das serras. Porém, as excepcionais condições de vigilância eram de molde a desencorajar os devaneios de evasão. Embora estivesse hesitante e preocupado, Simões de Almeida passava os dias a projectar uma fuga que, à primeira vista, parecia não só difícil, como impossível.

Abril estava a ser um mês chuvoso.

Uma das coisas que Simões de Almeida pudera verificar durante as horas que passava à janela olhando o pátio, os guardas, os carros que entravam, os que saíam, anotando tudo mentalmente, fora que, sempre que começava a chover com mais força, a água a bater sobre o zinco do telheiro produzia um ruído forte, quase ensurdecedor quando chovia muito. Outra coisa que chamara também a sua atenção fora que, nessas alturas, o soldado da GNR vinha abrigar-se sob o telheiro, na parte que ficava debaixo da janela da cela, isto é, em oposição ao portão. Por isso, na sua mente começara a esboçar-se um plano que se apoiava apenas naquelas duas fortuitas circunstâncias, ambas dependentes da chuva que, naquele dia, teimava em não começar a tombar, impedindo-o de experimentar as possibilidades da frágil hipótese.

Entretanto, tinham começado as sessões do julgamento no Tribunal de S. João Novo. A sala de audiências era pequena e estava sempre cheia a deitar por fora. Quando as portas eram abertas ao público, muitos dos lugares estavam já preenchidos pelos advogados, pelos agentes da polícia política, pelos soldados da GNR. Muitas vezes as famílias e até os elementos da informação não conseguiam entrar.

Tudo estava a decorrer sem grandes surpresas. A polícia sabia o que André revelara e pouco mais. Pelo banco das testemunhas tinham desfilado alguns dos que tinham estado em contacto com os assaltantes da cidade, aqueles que na opinião da polícia podiam reforçar a matéria incriminatória. No entanto, todos tinham sido pressionados para que das suas alegações não se pudesse inferir que a operação tinha tido êxito. Lopes, por exemplo,
fora dispensado de testemunhar, pois, querendo realçar o papel que tivera, fazia, no seu vocabulário característico, uma descrição do assalto à estação de rádio demasiado épica para o gosto da polícia.

Tinham, portanto, sido convocados os que tinham compreendido o que deles se pretendia: testemunhos descoloridos, de onde se depreendesse que tinha sido tentada uma acção subversiva, contrariada pelas forças da ordem. Como é evidente, esta versão dos factos, além de convir à polícia política, convinha igualmente às forças vivas da cidade e aos agentes da polícia e da guarda que, como vimos, foram apanhados de surpresa e totalmente neutralizados. Outro ponto que continuava obscuro era o do número de assaltantes. Tendo sido presos sete homens e sendo claro para toda a gente que Vítor não participara em nada, limitando-se a ir buscar alguns elementos à raia, não era crível que seis homens tivessem estado em tantos pontos quase simultaneamente. Era a evidência do falhanço da polícia política, pois, apesar de André ter referenciado alguns outros participantes na operação, não tinham conseguido apanhar nenhum. Só o pobre Vítor, por não saber que estava implicado em delito tão grave, se deixara ficar tranquilamente em Vimioso, na rotina pachorrenta do seu quotidiano.

Paradoxalmente, também aos presos convinha agora minimizar as proporções da operação “Argos”, ocultar o seu êxito, diminuir o número dos elementos que haviam participado. Embora um dos objectivos da operação tivesse sido o de chamar a atenção dos órgãos de informação, era evidente que esse propósito tinha falhado. Os jornais portugueses não tinham praticamente falado do assunto, limitando-se à publicação dos comunicados oficiais. Em Paris, a organização editara um documento onde a verdade dos factos era relativamente respeitada, ocultando-se, como é óbvio, as falhas organizativas que tinham conduzido ao desenlace. Alguns jornais estrangeiros haviam publicado excertos desse documento e iam incluindo os telegramas que sobre o julgamento as agências noticiosas iam distribuindo. Mais um julgamento político. Apenas isso.

Embora ali no tribunal toda a acção aparecesse desfocada, deformada, quase como se se estivesse a falar de um facto completamente diferente, o indissociável binómio polícia-tribunal, trabalhando como um corpo único, ia conseguindo matéria suficiente para atingir o desfecho pretendido: penas pesadas para os réus. Simões de Almeida e Jacinto, com antecedentes graves, e Cosme, dado como desertor, eram os que estavam em piores circunstâncias. André, apesar de ter colaborado tanto, também não iria apanhar uma pena leve. Para Alberto, as perspectivas pareciam melhores, e Vítor, segundo tudo indicava, iria ser absolvido. Aproximava-se o dia em que seria lida a sentença e em que, consequentemente, seriam transferidos para um presídio (Peniche ou Caxias) a fim de cumprirem as penas a que fossem condenados.

Por isso Simões de Almeida observava com tanta atenção o céu enegrecido, numa promessa de borrasca, pedindo aos deuses dos evasores que propiciassem uma boa chuvada. Já não tinha muito tempo para pôr o seu plano em prática.

 

Nesse mesmo dia, ao fim da tarde, começou a chover e o “Velho” pôde iniciar o seu trabalho durante a noite. Subindo para o parapeito da janela, começou a serrar energicamente a base das duas grades, procurando fazer o mínimo de ruído. Alberto segurava-o para que não caísse da estreita plataforma, ao mesmo tempo que ia vigiando os movimentos no pátio e junto da porta da cela. Não fosse o guarda-republicano sair de baixo do telheiro ou alguém aproximar-se do postigo. Vítor, deitado no beliche, tapava a cabeça com os cobertores, chorava, rezava, tomado por um terrível pânico. Era evidente que no tribunal as coisas lhe estavam a correr bem e, em voz sussurrada, pedia àqueles dois loucos que desistissem, que não o desgraçassem.

Para que de dia não se notasse o que tinham serrado, cobriam as fendas abertas no ferro, com uma mistura de pão e cinza de tabaco. Tinham que trabalhar depressa. Se a fuga não se consumasse até à véspera da última audiência, tudo cairia por terra. Mas era preciso também que, após terem serrado as grades, a chuva continuasse a cair. Sem esta peça, o frágil plano de Simões de Almeida não teria hipótese de êxito.

Três dias antes da data final as grades ficaram serradas.

Chovia com abundância, pelo que, logo a seguir às dez horas, hora do silêncio, sabendo que os guardas voltariam a acender a luz e a observar o interior da cela dentro de meia hora, começaram a operação final. Simões de Almeida subiu para o parapeito e, apoiado por Alberto, foi retirando os parafusos que prendiam a bandeira da janela. Depois de os ter retirado, com os braços bem ginasticados, afastou as grades serradas na base. Tentou passar para o telheiro. Em vão. O espaço proporcionado pelo afastamento das duas grades não era suficiente. Tinha de serrar a base a uma terceira grade e cortar a outra extremidade da do meio. Só assim teria espaço para passar.

Tudo foi reposto no lugar.

 

[…]

 

Como já vimos, todo o plano de Simões de Almeida se baseava numa metódica e sistemática anotação dos movimentos dos guardas, das normas do edifício, horas de rendição dos soldados da GNR E sobretudo na chuva que, com algumas interrupções, ia caindo. Aproveitando ao máximo o conhecimento dessas rotinas, conseguiram na noite seguinte, trabalhando até de madrugada, serrar a outra grade na base e o topo da grade do meio, deixando-a quase totalmente cortada. Tudo isto foi frequentemente interrompido, pois sabiam que, mais ou menos de meia em meia hora, os guardas prisionais ou os agentes da PIDE de serviço à antecâmara da cela acendiam a luz e empreitavam para o interior pelo postigo praticado na porta. Nessa altura tinham que estar deitados e fingindo dormir.

Portanto, na véspera da leitura das sentenças prepararam-se para a segunda tentativa. Desta vez não podiam falhar, pois, se assim acontecesse, perder-se-ia a oportunidade de Simões de Almeida fugir enquanto estavam no Porto. Embora ali não fosse fácil, em Peniche seria muito mais difícil e em Caxias praticamente impossível.

Após algumas hesitações, motivadas pelo curso do julgamento que indiciava não ir ser a pena de Alberto tão leve como se esperava, o jovem decidiu definitivamente não fugir. Por um lado, nada lhes garantia que Vítor, ficando sozinho, não fosse tomado de pânico e não desse o alarme logo que eles saltassem para o telheiro. Por outro lado, Alberto talvez não fosse capaz de superar as dificuldades que teria de enfrentar até chegarem à rua e, mesmo que o conseguisse, poderia depois, no decurso da fuga, dada a sua pouca experiência, transformar-se num empecilho. Note-se que estas reflexões eram dele, pois Simões de Almeida, generosamente, sempre se prontificou a tê-lo como companheiro na aventura, caso fosse essa a sua decisão. Mas Alberto decidiu ficar. Poderia assim, além de vigiar Vítor, não o deixando dar o alarme prematuramente, disfarçar os cortes com pão e cinza, retardando o mais possível a descoberta da fuga e dando tempo ao fugitivo para se afastar.

Chegara, pois, o grande momento.

Simões de Almeida armou-se com um ferro retirado de uma das camas, para o caso de ter de dominar alguma das sentinelas, despediu-se de Alberto e de Vítor e subiu para o parapeito. Quando se preparava para afastar as grades à força de pulso, a luz acendeu-se, embora ainda não fosse a hora prevista e ouviram o ruído característico do postigo a ser aberto.

O que se passou a seguir continuou, mesmo muito tempo depois, a constituir um mistério para Alberto. Tudo ocorreu em menos de um segundo, no tempo que mediou entre o acendimento da luz e a abertura do postigo. Alberto deu um salto para o seu beliche, saindo do campo de visão abrangido pela abertura. Simões de Almeida saltou do parapeito e, com grande presença de espírito, tirou o penico da sua mesa de cabeceira e, de costas para a porta, começou a urinar, soltando em voz baixa, repetidamente, o seu habitual “puta-merda”.

Foi um acto de quase desespero, pois para cúmulo, em vez do pijama, o “Velho” estava já vestido para a fuga. Acabando de urinar, arrumou o penico e meteu-se na cama. A todo o momento esperavam ouvir a porta a abrir-se e ver os guardas irromper na cela, anulando a tentativa de fuga. Porém, e foi isto que nem Alberto nem os outros compreenderam, o guarda ou o agente que estava a espreitar não encontrou nada de anormal no que via e, cerrando o postigo, apagou a luz em seguida.

Aterrorizado, Vítor gemia sob os cobertores. Pensaram ainda que o guarda tivesse ido chamar os outros, que estariam provavelmente a dormir, para então entrarem na cela. Ficaram em silêncio, expectantes. Passou a meia-hora e a luz voltou a ser acendida e depois apagada.

À meia-noite, como sempre, procedeu-se à rendição dos guardas e dos agentes da PIDE. Acenderam a luz, abriram a porta, viram os três homens aparentemente adormecidos e apagaram a luz. Tudo como era habitual.

Em princípio, contavam a partir de agora com cerca de meia hora. Chovia menos. Simões de Almeida voltou a saltar para o parapeito, afastou as grades, retirou a que fora preciso cortar completamente. Desta vez passou à vontade. Alberto deu-lhe o ferro da cama. O “Velho”, já do lado de fora, com os pés sobre o telheiro, devolveu as grades à posição inicial. Sussurrou uma última despedida.

Apressadamente, pois temia ser surpreendido, Alberto aparafusou a bandeira da janela, colocou a grade do meio e disfarçou as fendas nos varões com a massa de pão e cinza. Faltava ainda uma coisa. Com um travesseiro e algumas roupas, fez um volume semelhante ao de um corpo que colocou sob os cobertores de Simões de Almeida, como se ele ali estivesse, adormecido. Voltou para o seu beliche.

Em cima, pois Alberto ficara em baixo para melhor poder ajudar, Vítor gemia baixinho: “Estou desgraçado.” Depois, interrompendo o choro, disse a Alberto que ia avisar os guardas. Mal teria passado um quarto de hora sobre a saída de Simões de Almeida. Alberto ameaçou-o. Disse-lhe que a organização tinha longos braços e que, se ele denunciasse a fuga antes de ter amanhecido, seria executado, estivesse onde estivesse, fugisse para onde fugisse. E assegurou-lhe que nem a família, que sempre constituía a sua maior preocupação, iria escapar à vingança. Apanhado entre dois terrores, Vítor voltou a tapar a cabeça e a soluçar, regressando ao pesadelo que, desde que soubera dos planos de fuga e assistira à sua concretização, vivia acordado.

Alberto temia ouvir a qualquer momento tiros, correrias, gritos, sinal de que a fuga fora descoberta. Mas o tempo foi transcorrendo, a luz foi acendida em cada meia hora e a única coisa que se ouvia lá fora era o ruído da chuva a bater violentamente sobre as chapas do telheiro.

Quase não dormiu, sendo difícil distinguir os raros momentos de sono do torpor inquieto em que passou a noite. Até que chegou a manhã.

Às oito horas, o apito habitual, a rendição da guarda e saída dos agentes da antecâmara. A porta da cela foi aberta. Dando os bons-dias, o faxina entrou com os pequenos-almoços. Colocou-os sobre a mesa. Vendo que nenhum se mexia, disse:

- Vamos a levantar, meus senhores.

E saiu.

Alberto, partindo do princípio de que já passara tempo suficiente para Simões de Almeida ir muito longe, disse a Vítor que podia chamar os guardas e dizer-lhes que houvera uma fuga. Gaguejando, titubeando, nervosíssimo, Vítor chamou um dos carcereiros. O homem quase não entendeu o que ele dizia, mas percebeu que algo de anormal se passara. Dirigiu-se à cama, puxou os cobertores para trás, deparando-se-lhe o molho feito com as roupas e o travesseiro. O outro guarda e o faxina acorreram aos seus gritos, entrando de roldão na cela. Vendo as grades aparentemente intactas, um dos homens balbuciou:

- Mas como é que ele conseguiu passar por ali sem o terem visto? — e apontava a antecâmara onde nunca deixaram de estar quatro vigilantes. Mais sereno, o faxina dirigiu-se à janela, subiu para uma cadeira e observou as grades com atenção. Abanou-as com força. A do meio ficou-lhe na mão. Tornava-se claro agora como as coisas se tinham passado.

Nervosos, os guardas utilizaram o telefone para comunicar a ocorrência. Em breve, chegaram agentes da polícia e soldados da GNR. Analisaram tudo, fizeram perguntas, deram uns tabefes em Alberto e em Vítor quando ambos afirmaram não terem dado por nada de anormal. Porém, naquela altura nenhum polícia ou guarda se lembrou de lhes perguntar como é que Simões de Almeida, do lado de fora, pudera aparafusar os parafusos que estavam por dentro.

Revistaram minuciosamente a cela e os dois presos. Despojados de todos os objectos pessoais, foram transferidos para um calabouço na cave do edifício.

 

[…]

 

A audiência dessa tarde começou com grande atraso e no meio de enorme agitação. Cá fora, apesar da chuva, era um mar de soldados da GNR, armados até aos dentes, de jornalistas e, sobretudo, de curiosos.

De manhã, depois de os porem no calabouço da cave, a PIDE interrogou os dois presos. Alberto disse que desde há muitos dias que Simões de Almeida anotava coisas numa folha de papel e que da rua, à noite, lhe faziam sinais com claxons e faróis de automóveis. Que, embora lhe fizesse poucas confidências, lhe falara num carro que o levaria até a um avião. Que contava sair rapidamente do País. Confessou ter sido ele que, a pedido de Simões de Almeida, recolocara a janela no lugar e a aparafusara. Disse-lhes que Vítornão sabia de nada. Por não merecer a confiança do fugitivo, este só  as grades de noite, quando Vítor dormia. O taxista, que fora industriado por Alberto enquanto na cave aguardavam o interrogatório, confirmou esta versão que, de resto, lhe era fortemente favorável. A polícia pareceu acreditar, inclusive no rocambolesco pormenor dos sinais do exterior e do avião, pois sabiam que Simões de Almeida era um piloto experimentado e que, aliás, fora assim que escapara após o assalto ao banco.

A audiência decorreu tempestuosamente, com os advogados de defesa a fazerem alusões irónicas à competência dos agentes da PIDE e dos guardas dos Serviços Prisionais.

No final foram lidas as sentenças.

Simões de Almeida, julgado à revelia, foi condenado em vinte anos. Jacinto em dez. Penas que se acumulavam às anteriores. O Cosme em oito. O André em cinco. Alberto, a quem a cumplicidade na fuga privara da imagem de inocência que até então conseguira manter, apanhou três anos. Vítor, condenado a seis meses, já cumpridos, saiu em liberdade, embora meses depois o tenham voltado a prender.

 

[…]

 

Quando passou a grade e assentou os pés sobre o telheiro, Simões de Almeida verificou que o guarda, em vez de se abrigar debaixo da janela, ficara na ponta do L que encostava ao muro. A chuva abrandara e por isso temeu que os seus passos se ouvissem. Ficou deitado, colado ao zinco, mesmo por debaixo da janela, ouvindo Alberto a colocar tudo no lugar. Mas nem sequer lhe ocorreu a hipótese de voltar para trás. Quando a luz da cela foi acendida, numa das inspecções periódicas, temeu que a sentinela o visse, pois do interior vinha derramar-se sobre o telheiro alguma claridade. Afortunadamente, a chuva voltara a engrossar e o guarda estava agora mais recolhido, mais para o meio da perna do L.

Decorreu assim uma boa meia hora.

Estava completamente ensopado. Quando a chuva engrossou ainda mais e começou a tamborilar com força sobre o zinco, vendo que o guarda se vinha recolher, agora sim, sob a janela, decidiu-se. Rastejou, quase não produzindo ruído, até chegar à extremidade do telheiro, no ponto em que este confinava com o muro. Suspendendo-se pelos braços, deixou-se cair, com um salto elástico, sobre o passeio, quase ao lado da guarita onde o guarda da PSP se abrigava. Encostado ao muro, tirou do bolso um lenço de assoar e atando-lhe as quatro pontas fez com ele uma protecção para a cabeça. Subiu a gola do blusão. E, descontraidamente, como um vulgar transeunte, um noctívago pobre de regresso à sua ilha, passou diante do guarda que, no interior da guarita, encolhido dentro do impermeável negro, batia os pés para esconjurar o frio e a humidade. “Isto é que está uma noite”, resmungou o “Velho” para dentro da guarita, com as mãos nos bolsos e escorrendo água da cabeça aos pés. O guarda não respondeu, mas deve ter concordado.

Sempre debaixo de chuva forte, desceu a Rua Duque de Saldanha, completamente deserta sob o temporal. Ao chegar ao Largo do Padre Baltasar Guedes, viu na linha de caminho-de-ferro que vem de Campanhã um extenso comboio de mercadorias. Lançando o seu uivo lancinante e varrendo a noite e a cortina de água com o olho amarelado da locomotiva, a composição abrandou a marcha, num chocalhar de engates e correntes, quase parando. Simões de Almeida deu uma corrida e não teve dificuldade em içar-se para um vagão, dado que à entrada da Ponte D. Maria a velocidade era mínima. Agarrado aos varões, conseguiu fazer deslizar a porta o suficiente para entrar. Entre sacas e caixas de cartão, aninhou-se, transido de frio, molhado até aos ossos. E embalado pelo movimento compassado, depressa adormeceu. Na realidade, com os preparativos da fuga, mantivera-se acordado durante quase todas as noites anteriores e, durante o dia, com as audiências, também não pudera dormir. Pelo que caiu num sono pesado.

Quando acordou, o comboio estava parado. Ouviu, ao longe, pancadas metálicas, vozes, risos. Abriu devagar a porta de um dos lados e espreitou. Amanhecia. O sol saía derrotado da sua luta contra a toalha pardacenta que o ocultava. Parara de chover, mas estava frio. Habituando os olhos à penumbra, vislumbrou vultos que se aproximavam ao longo da linha onde a fila de vagões estava estacionada. Fechando a porta daquele lado, experimentou a outra. Ali, noutra linha paralela, estava também arrumada uma extensa composição de vagões e vagonetas. Pareceu-lhe mais seguro sair por aquele lado. Saltou para o chão e andando cautelosamente entre o estreito corredor atingiu um cais terminal em cuja orla se elevavam alguns barracões de tijolo. Metendo pelo meio dos armazéns chegou a um muro de cimento pintado de branco que transpôs sem problemas. Estava junto de uma estrada. De um lado o muro do caminho-de-ferro, do outro um denso pinhal. Hesitante entre o dirigir-se para a esquerda ou para a direita, encaminhou-se no sentido em que viu postes de iluminação pública ainda acesos, tomando-os como um sinal de proximidade de civilização. Num marco quilométrico pôde ver onde estava, perto do centro do País, na faixa litoral.

Atravessando a estrada, embrenhou-se um pouco no pinhal e, pisando as carumas molhadas, procurou ir caminhando paralelo à estrada. Entretanto, o dia ia nascendo, o céu ia ficando limpo. Uma atmosfera opalescente, tecida pela humidade que se dissolvia ao calor do sol, ondulava entre os pinheiros como uma echarpe de gaze.

Andou alguns quilómetros. De vez em quando, aproximava-se prudentemente da estrada a ver se encontrava um café ou uma taberna abertos. Já a manhã ia alta quando, com uma povoação relativamente grande à vista, deu com um pequeno café com as portas abertas. Eram as primeiras casas de uma aldeia ou vila e o café ficava num terreiro, junto de uma bomba de gasolina.

Entrou. Não havia clientes. Só um homem, provavelmente o dono, estava por detrás do balcão, limpando e arrumando chávenas de café. Era um sujeito ainda novo, com pouco mais de trinta anos. Enquanto trabalhava ouvia o rádio que, minutos antes de Simões de Almeida entrar, emitira o noticiário das dez. O locutor iniciara-o com um apelo a todos os cidadãos para que colaborassem na captura de um perigoso terrorista que se evadira das instalações da PIDE no Porto. E dera os sinais do evadido, descrevendo inclusivamente a roupa que vestia. E desta vez o “Velho” não pudera recorrer aos seus habituais disfarces.

Quando ergueu os olhos das chávenas e encarouaquele cliente, o homem observou-o atentamente: pouco cabelo, rosto comprido, blusão azul-escuro. Depois olhou instintivamente o rádio. Simões de Almeida, percebendo o que se passava na mente do comerciante, olhava-o firmemente, atento às suas reacções, pronto para o neutralizar, caso fosse necessário.

Finalmente o homem perguntou:

- O que deseja?

- Telefonar.

Com um gesto apontou-lhe o telefone atrás do balcão junto de uma porta que dava para uma divisão interior:

- Faça favor.

 

Simões de Almeida memorizara o número de telefone de Jerónimo e, pensando que recorrer aos militantes de Lisboa poderia ser mais complicado, ligou para sua casa dizendo onde estava e perguntando se ele poderia arranjar maneira de o tirar dali e de o levar até um refúgio relativamente seguro que tinha no Ribatejo. Jerónimo respondeu imediatamente que sim e que estaria no local indicado, que ficava cerca de cem quilómetros para ocidente, já perto do litoral, dentro de umas três horas. […]

 

Pousou a moeda em cima do balcão.

- Fiz uma chamada interurbana, mas só tenho dez tostões. Não deve chegar.

O homem fitou-o de novo longamente. Depois disse:

- Não tem importância - empurrou a moeda. - Não é preciso pagar.

- Obrigado. Posso sentar-me e esperar aqui uns amigos?

- Claro que pode. E esteja tranquilo, comigo não há problema.

Simões de Almeida sentou-se a uma mesa. Ia seguindo o comerciante com os olhos, não fosse ele, apesar das boas palavras, telefonar à polícia. Mas, parecendo adivinhar as intenções do foragido, não saiu detrás do balcão, continuando nas suas actividades.

Passados uns minutos, veio pousar em cima da mesa um copo de café com leite e um pires com uma grande sande de queijo:

- Coma. Deve estar com fome.

O “Velho” ergueu os olhos. O homem fitava-o com uma expressão de simpatia.

- Obrigado - disse.

- Não tem de quê. Eu é que lhe estou agradecido.

E virando as costas voltou para detrás do balcão.

 

 

Carlos Loures, A Mão Incendiada

 

publicado por Elisabete às 16:27
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