Terça-feira, 30 de Junho de 2015

1967 FÉ DE PEDRA

 

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A França, onde o Sagrado Coração de Jesus se manifestou, foram os do Porto

buscar o começo de uma nova igreja

 

Uma pedra será mais do que isso, mero bloco granítico a partir do qual se constrói a casa, seja esta dos homens ou da divindade. Uma pedra pode remeter-nos à penitência de Sísifo, condenado a repetidamente levar o mesmo monolito ao cume da mesma montanha, mas pode também lembrar-nos a fé dos de há quase cinquenta anos, que do Porto foram a França buscar o alicerce basilar da sua igreja. A pedra que aqui mostramos, primeira de um moderno templo que viria a representar, na Invicta, novo paradigma da arquitectura religiosa assinado pelo arquitecto Luís Cunha, que poucos anos depois teria nova expressão na Igreja Paroquial de Cedofeita, assinada por Eugénio Alves de Sousa. Mas a primeira pedra da nova igreja do Carvalhido, que é dessa que aqui falámos, é mais do que um fragmento de arquitectura, antes foi uma expressão de fé. Consagrado ao Sagrado Coração de Jesus o templo, à localidade de Paray-le-Monial foram peregrinos, em 1966, buscar o bloco que aqui vemos, um ano depois, na cerimónia simbólica de arranque da construção. Porque naquela distante terra se acredita que Cristo apareceu de peito aberto a Margarida Maria Alacoque, que viveu no século XVII e é santa desde 1920. Num pedaço de granito, "o coração que tanto amou os homens", como se acredita que Cristo disse à vidente, mas também a perseverança dos que quiseram dar à sua casa de oração uma essência de divindade. Foi em Junho de 1967 que, como noticiava o JORNAL DE NOTÍCIAS, "as principais autoridades civis e militares" do Porto assistiram à bênção da pedra, protagonizada pelo bispo Florentino de Andrade Silva, administrador apostólico da dioceses. O bispo diocesano, D. António Ferreira Gomes, afrontara Oliveira Salazar e vivia no exílio, em Espanha e França, desde 1959. Só regressaria dois anos depois desta cerimónia, beneficiando da relativa abertura a que se chamou "primavera marcelista", ainda a tempo de assistir ao final da construção da igreja do Carvalhido.

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 A nova Igreja do Carvalhido

publicado por Elisabete às 22:59
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Domingo, 21 de Junho de 2015

NUNCA MAIS CAIU

1961 - PONTE DA ARRÁBIDA

Ponte da Arrábida 1961.jpg

Muitos duvidavam que a Ponte da Arrábida, o maior arco de betão em todo o mundo, à data, se aguentasse no sítio. Amanhã passam 52 anos sobre a inauguração da ponte que se fez monumento nacional.

 

Edgar Cardoso transformou a engenharia em evento de massas e foi a construção da Ponte da Arrábida, união do Porto a Gaia que é agora monumento nacional, que fez dele, digamos assim, produtor de eventos.

Não se leia aí ofensa, antes gratidão a um homem que tornou apaixonante algo que outros deixariam à indiferença que junto dos leigos suscita o projecto e cálculo de estruturas de betão. Com Edgar Cardoso, as coisas eram diferentes, não apenas por o notável professor ser uma figura cativante mas também pela genenialidade que transparecia da idealização de modelos laboratoriais, da busca de soluções inéditas e, sobretudo, do arrojo dessas soluções em que mais ninguém parecia acreditar. Quando foi feita, a Ponte da Arrábida era um fenómeno - o maior arco de betão pré-esforçado alguma vez feito - e gente do mundo inteiro esteve no Porto à espera de a ver cair. A técnica de construção já havia sido testada em menor escala, bem perto do Porto, na ponte que cruza o rio Sousa e sobre a qual tanta gente passa sem se aperceber de que é uma miniatura da grande obra que viria depois. E que teve no fecho do cimbre - realizado em Junho de 1961 e aqui documentado - o mais espectacular e fotografado momento. O cimbre é, digamos assim, o molde metálico que, à medida que era montado, ia sendo enchido com betão. O tramo central, que fechou o arco, foi construído a montante e transportado, Douro abaixo, sobre batelões puxados por rebocadores, sendo depois içado por gruas, postas de ambos os lados da construção. Tinha 78 metros de comprimento, pesava 500 toneladas e demorou cinco dias a chegar lá ao alto. Depois de pronto o primeiro arco de betão, o cimbre foi deslocado lateralmente para o segundo arco ser construído. A ponte foi inaugurada a 22 de Junho de 1963, com a pompa que levou o JN a titular a toda a largura da primeira página, no estilo descritivo e encomiástico próprio da época: "Revestiu-se de condigna solenidade a inauguração da Ponte da Arrábida.

 

in Notícias Magazine

publicado por Elisabete às 17:27
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Sexta-feira, 12 de Junho de 2015

Alfama é Linda

Alfama 001.jpg

 1934

Criadas em 1932, as marchas de Lisboa tornavam-se um exemplo do que o regime queria - distrair o povo. Mas a tradição pegou.

Em Fevereiro de 1934, o Presidente da República, Óscar Carmona, inaugurara o bairro económico da Ajuda. O Sporting tinha ganho o Campeonato de Lisboa. No final de Maio, a Sociedade de Geografia acolhera o I Congresso da União Nacional, num desfile de discursos elogiosos a Salazar. Uma semana antes de esta fotografia ter sido tirada, cerca de trinta mil pessoas assistiram ao despiste do corredor Henrique Lehrfeld ao volante do seu Bugatti, no Parque Eduardo VII, onde, na noite de 11 de Junho, se deu o concurso das marchas populares, criado por Leitão de Barros, homem próximo de António Ferro, responsável pelo Secretariado da Propaganda Nacional, e adepto destas "distrações" para entreter o povo. 

"As marchas começaram a concentrar-se no Pavilhão de Festas às 22 horas e só minutos depois da meia-noite a primeira, a do Bairro Alto, subiu ao estrado para exibir as suas danças e cantares", lia-se no DN do dia seguinte. Outros tempos, em que as edições dos jornais fechavam madrugada dentro. O suficiente para o repórter ainda no local para relatar que "às três horas de hoje sempre perante enorme multidão de espectadores surgia a marcha de Alcântara. A penúltima a utilizar os dez minutos da exibição". A marcha de Sete Rios (na foto), apesar de "levar a palma no despertar do agrado público", não conquistou nenhum lugar cimeiro. "O 1º prémio, que é uma linda caravela de prata, foi atribuído à marcha de Alfama."

No próximo sábado, noite de Santo António, o cenário não deverá muito diferente. Em 2014, oitenta anos depois deste relato, foi também de Alfama, a marcha vencedora.

publicado por Elisabete às 19:09
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Sexta-feira, 5 de Junho de 2015

Por entre os pingos da chuva

torneira-pingando-agua-materia.jpg

E, de repente, vem-me à ideia o som da água de um ribeiro a escorregar pelos limos das rochas, desdobrando-se em gotas e pingos que nos atingem o regaço quando nos debruçamos para, com as mãos em concha, bebermos um pouco daquela frescura que tão bem sabe, no meio do calor das tardes de Verão. 

É diferente do som das ondas a rebentar contra a areia, numa praia. Apesar de ser água, não é a mesma água. E não é só o sal que as separa. Ou o facto de umas separarem continentes e outras, margens. É também a generosidade com que a água doce se predispõe a dar-nos vida sem nada pedir em troca. Correndo das montanhas apressada para se juntar ao sal da terra no mar, guarda ainda assim algum tempo para que nos possamos abeirar dela e receber a água de que precisamos para matar a sede.

Esta relação entre a água e quem a bebe sempre se fez de cumplicidade, de um vulnerável equilíbrio entre as duas partes. Infelizmente, mais ou menos desde o período da Revolução Industrial, o ser humano tem vindo a convencer-se de que é o dono disto tudo e de que tudo se encontra sujeito à sua vontade.

Aprisionou a água doce, marcou-a e disse que era sua. A água que antes corria livre, ao alcance de todos para que a apanhassem, é agora pintada de cores e químicos pelas fábricas que se plantaram à beira-rio, suja pelos detritos e esgotos que lhe lançamos e captada e engarrafada para que a compremos.

Sem água não vivemos, é um truísmo. Mas é, sobretudo, a lembrança de que sem água não teríamos vida na Terra. Dela vimos todos os que respiramos ar. A nossa procedência é líquida e líquida devia ser a nossa devoção para com aquilo que nos permitiu que vivêssemos. Mas, se nem aos nossos pares outorgamos igualdade, separando as espécies humanas em caixinhas onde cabem todo o tipo de estereótipos e futilidades que pouco apontam ao interior comum que partilhamos, como poderíamos esperar que pudéssemos tratar com dignidade qualquer outro elemento externo?

Chegámos a um ponto da nossa existência em que o barulho da avidez é tão ensurdecedor, que deixamos de ouvir o som da água a cair do céu e a bater com toda a força no chão, o fim da sua viagem. Deixamos de nos relacionar com ela e habituamo-nos a que a sua existência possa ser controlada pelo gesto que abre e fecha uma torneira. E como o gesto que abre e fecha uma torneira é comandado pela vontade de beber, mas controlado pela sede de poder, privatizaram-se as águas em Portugal.

Na sua mente louca, em desvario, acham os que votaram a favor de tal crime que um elemento da natureza que é, por inerência livre, pode ter donos. Que pode ser colhido, aprisionado e dividido para depois ser vendido a retalho, ao sabor das leis de mercado e da ganância humana.

O bem comum passa a ser expressão non grata. A culpa deve ser do novo Acordo Ortográfico, claro. Baniu letras mortas e mudas, que já não fazem falta a esta mundo cheios de sons de progresso. O que lhes desejo, aos que acham que é possível e legítimo privar o todo de uma coisa que é de todos e taxá-la de acordo com os seus interesses, é que sequem, que mirrem, como o deserto de ideias e emoções que são e que, ao mirrarem, se lembrem do som da água do ribeiro a correr, soltando gotas que, pesadas, vêm cair no regaço de quem se dobra para a colher nas suas mãos, fresca, cristalina, pura, livre.

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ANA BACALHAU (in Notícias Magazine)

publicado por Elisabete às 12:04
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