Quarta-feira, 9 de Setembro de 2015

Tudo o que queria era um lugar, um lugar de cinco mil...

A Morte de Ivan Ilitch.JPG

 Ia com um único objectivo: obter um lugar com cinco mil rublos de ordenado. Já não se inclinava para nenhum ministério, orientação ou género de actividade em particular. Tudo o que queria era um lugar, um lugar de cinco mil, fosse na administração, nos bancos, nos caminhos-de-ferro, numa das instituições da imperatriz Maria, ou mesmo na alfândega, mas necessariamente sair de um ministério onde não sabiam apreciá-lo.

E eis que esta viagem de Ivan Ilitch foi coroada de um êxito notável e inesperado. Em Kursk entrou na carruagem de primeira classe um conhecido seu, F. S. Ilin, e informou-o acerca de um telegrama recente recebido pelo governador de Kursk, anunciando que por aqueles dias se daria uma mudança no ministério: iam nomear Ivan Semiónovitch para o lugar de Piotr Ivánovitch.

A possível mudança, além da sua importância para a Rússia, tinha uma importância especial para Ivan Ilitch porque, ao promover um novo homem, Piotr Petróvitch, e evidentemente também o seu amigo Zakhar Ivánovitch, lhe era altamente favorável. Zakhar Ivánovitch era colega e amigo de Ivan Ilitch.

Em Moscovo a notícia foi confirmada. E ao chegar a Petersburgo, Ivan Ilitch encontrou-se com Zakhar Ivánovitch e obteve a promessa de um lugar seguro no seu anterior ministério da Justiça.

Uma semana depois, telegrafou à mulher:

"Zakhar lugar Miller. Obterei lugar ao primeiro relatório."

Graças a essa mudança de pessoas Ivan Ilitch obteve inesperadamente, no seu anterior ministério, uma nomeação pela qual ficava dois graus acima dos seus colegas: cinco mil rublos de ordenado e três mil e quinhentos como subsídio de transferência.

Todo o seu enfado com os anteriores inimigos e com o ministério foi esquecido, e Ivan Ilitch sentiu-se completamente feliz.

Voltou para o campo alegre e satisfeito como há muito não se sentia. Praskóvia Fiódorovna também se alegrou e entre eles estabeleceu-se uma trégua. Ivan Ilitch contou como tinha sido felicitado por todos em Petersburgo, como todos os que tinham sido seus inimigos estavam envergonhados e agora o adulavam, como era invejado pela sua posição e, em especial, como toda a gente em Petersburgo tinha gostado muito dele.

 

LEV TOLSTÓI

Tolstoi.jpg

 

 

 

publicado por Elisabete às 11:47
link do post | comentar | favorito
Segunda-feira, 7 de Setembro de 2015

1974 - DIVÓRCIO JÁ! Exigiam eles e elas

Divórcio.jpg

Em 1974 foram recolhidas cem mil assinaturas a pedir a legalização do divórcio

Por causa da Concordata de 1940, os casamentos católicos eram indissolúveis

 

Num cartaz fotografado pelo Diário de Notícias lê-se "algemas no casamento". Outro anuncia que há "dois milhões de filhos ilegítimos". Com a Revolução de Abril de 1974, um vasto movimento popular a exigir a legalização do divórcio pôs-se em marcha. E uma maciça campanha de recolha de assinaturas foi lançada. Recolheram-se mais de cem mil, mas apenas 51 mil foram entregues no Palácio de Belém ao presidente António de Spínola, segundo a notícia que surge na primeira página de 6 de Junho de 1974. 

Citando membros da comissão que recolheu as assinaturas, o jornal escreveu que "o governo entende de momento não poder resolver este grande problema que os paladinos do movimento pró-divórcio apontam como nº 2 na ordem de prioridades absolutas da nação (o primeiro é, naturalmente, o colonial)". E o DN dava conta ainda da promessa de se manifestarem no Vaticano, a favor da revisão da Concordata de 1940, entre o Estado Novo e a Santa Sé.

Com a implantação da República em 1910, o divórcio tornou-se legal em Portugal (o casamento civil vinha de 1867, durante o reinado de D. Luís). Mas Salazar negociou com o Vaticano um vasto acordo de Estado a Estado que incluía a proibição de divórcio para os casamentos católicos, o que significou décadas de famílias desfeitas e refeitas à margem da lei - e com o tal problema dos filhos ilegítimos. A interdição teve fim em 1975, com a revisão da Concordata, que permitiu de novo aos casados pela Igreja que pedissem o divórcio civil. Depois disso a lei não deixou de se ir liberalizando cada vez mais em Portugal. 

Mas se o divórcio é antigo na civilização (era comum na Grécia Clássica e no Império Romano), ainda hoje não é um direito universal. Além de dificultado, para as mulheres, em muitos países muçulmanos, continua proibido nas Filipinas, o mais populoso país católico da Ásia. E só mais um Estado o interdita: o Vaticano.

 

Notícias Magazine

 

 

 

publicado por Elisabete às 15:29
link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito
Domingo, 6 de Setembro de 2015

Continuará a Terra a girar unicamente para alimentar a solidão dos homens?

sputnik-meu-amor1.jpg

 Amanhã meto-me no avião e regresso a Tóquio. As férias de Verão estão quase a acabar e voltarei a calcorrear os intermináveis caminhos do costume. É lá o meu lugar, é lá que está o meu apartamento, a minha mesa de trabalho, a minha sala de aulas, os meus alunos. Esperam-me dias tranquilos, romances por ler. Uma ou outra ligação esporádica.

Uma coisa é certa: não voltarei a ser o mesmo. A partir de amanhã, serei outra pessoa. Os que me rodeiam não se darão conta de que voltei ao Japão completamente diferente. Por fora, nada terá mudado, mas algo dentro de mim ficou reduzido a cinzas e deixou de existir. Houve sangue derramado e, dentro de mim, algo morreu. Desapareceu de vez, de cabeça baixa, sem uma palavra. Há uma porta que se abre e uma que se fecha. Apaga-se a luz. Para mim, tal como sou agora, hoje é o último dia. Este é o meu último entardecer. Quando o novo dia nascer, eu, tal como sou agora, já não estarei aqui. Outra pessoa diferente habitará o meu corpo.

Por que será que estamos condenados a ser assim tão solitários? Qual a razão de tudo isto? Há tanta, tanta gente neste mundo, todos à espera de qualquer coisa uns dos outros, e, contudo, todos irremediavelmente afastados. Porquê? Continuará a Terra a girar unicamente para alimentar a solidão dos homens?

Virei-me de costas sobre a laje de pedra, fitei o céu por cima de mim e pus-me a pensar na quantidade imensa de satélites que naquele preciso momento deviam girar à volta da Terra. No fio do horizonte era ainda possível distinguir uma réstia de luz, e as estrelas começavam a brilhar no céu de um profundo tom púrpura. Procurei com o olhar a luz de um satélite, mas havia demasiada claridade para distinguir fosse o que fosse a olho nu. As estrelas que estavam à vista permaneciam imóveis, cada uma no seu sítio, como se cravadas no céu. Fechei os olhos e prestei atenção para ver se conseguia ouvir os descendentes do Sputnik que continuavam a dar voltas à Terra, tendo como único elo de ligação ao planeta a gravidade. Solitários pedaços de metal que se encontraram de repente nas trevas do espaço, cruzam-se no seu caminho e depois separam-se para sempre. Sem trocarem uma palavra, sem fazerem uma promessa.

Haruki Murakami

Haruki Murakami.jpg

 

 

publicado por Elisabete às 19:54
link do post | comentar | favorito

*mais sobre mim

*links

*posts recentes

* Joaquim Alberto

* ANTERO – ONTEM, HOJE E AM...

* QUINTA DE BONJÓIA [PORTO]

* POMPEIA: A vida petrifica...

* JOSÉ CARDOSO PIRES: UM ES...

* PELA VIA FRANCÍGENA, NO T...

* CHILE: O mundo dos índios...

* NUNCA MAIS LHE CHAMEM DRÁ...

* ARTUR SEMEDO: Actor, galã...

* COMO SE PÔDE DERRUBAR O I...

* DÉCIMO MANDAMENTO

* CRISE TRAZ CUNHALISMO DE ...

* O CÓDIGO SECRETO DA CAPEL...

* O VOO MELANCÓLICO DO MELR...

* Explicação do "Impeachmen...

* CAMILLE CLAUDEL

* OS PALACETES TORNAM-SE ÚT...

* Tudo o que queria era um ...

* 1974 - DIVÓRCIO JÁ! Exigi...

* Continuará a Terra a gira...

* SETEMBRO

* SEM CORAÇÃO

* A ESPIRAL REPRESSIVA

* 1967 FÉ DE PEDRA

* NUNCA MAIS CAIU

* Alfama é Linda

* Por entre os pingos da ch...

* DO OUTRO LADO DA ESTRADA

* Não há vacina para a memó...

* Um pobre e precioso segre...

*arquivos

* Dezembro 2018

* Junho 2018

* Maio 2017

* Abril 2017

* Março 2017

* Fevereiro 2017

* Janeiro 2017

* Setembro 2016

* Junho 2016

* Abril 2016

* Novembro 2015

* Setembro 2015

* Agosto 2015

* Julho 2015

* Junho 2015

* Maio 2015

* Março 2015

* Fevereiro 2015

* Janeiro 2015

* Dezembro 2014

* Fevereiro 2014

* Janeiro 2014

* Dezembro 2013

* Novembro 2013

* Setembro 2013

* Agosto 2013

* Julho 2013

* Junho 2013

* Maio 2013

* Abril 2013

* Março 2013

* Fevereiro 2013

* Janeiro 2013

* Dezembro 2012

* Novembro 2012

* Outubro 2012

* Setembro 2012

* Agosto 2012

* Julho 2012

* Maio 2012

* Abril 2012

* Março 2012

* Janeiro 2012

* Dezembro 2011

* Novembro 2011

* Outubro 2011

* Setembro 2011

* Julho 2011

* Maio 2011

* Abril 2011

* Março 2011

* Fevereiro 2011

* Janeiro 2011

* Dezembro 2010

* Novembro 2010

* Outubro 2010

* Agosto 2010

* Julho 2010

* Junho 2010

* Maio 2010

* Abril 2010

* Março 2010

* Fevereiro 2010

* Janeiro 2010

* Dezembro 2009

* Novembro 2009

* Outubro 2009

* Setembro 2009

* Julho 2009

* Junho 2009

* Maio 2009

* Abril 2009

* Março 2009

* Fevereiro 2009

* Janeiro 2009

* Dezembro 2008

* Novembro 2008

* Outubro 2008

* Setembro 2008

* Agosto 2008

* Julho 2008

* Junho 2008

* Maio 2008

* Abril 2008

* Março 2008

* Fevereiro 2008

* Janeiro 2008

* Dezembro 2007

* Novembro 2007

* Outubro 2007

* Setembro 2007

* Agosto 2007

* Julho 2007

* Junho 2007

* Maio 2007

* Abril 2007

* Março 2007

* Fevereiro 2007

*pesquisar