(Uma estrada cujas origens remontam ao Império de Júlio César volta a conquistar caminhantes. Vamos à descoberta das suas formações geológicas únicas e de vinhos, queijos e enchidos sem igual. [Revista ULYSSE-Paris]
Ponte de Saint-Martin sobre o rio Lys, no Vale do Aosta [Foto: Nicholas Thibaut]
“Todos os caminhos vão dar a Roma”, diz o provérbio. É esse precisamente o destino da Via Francígena, a estrada dos Francos ou Franceses que, na Idade Média ligava o Norte da Europa à Cidade Eterna. Era usada pelos peregrinos que se dirigiam ao túmulo de São Pedro.
Caída no esquecimento, esta estrada histórica conheceu novo alento desde que foi nomeada “Grande Itinerário Cultural”, pelo Conselho da Europa, em 2004. A designação pretende proporcionar aos europeus a descoberta do seu património cultural comum, numa viagem pelo espaço e, ao mesmo tempo, pela História. Divulgado pelos organismos de turismo e por numerosas associações de entusiastas beneméritos, este regresso às origens europeias tem conhecido um grande desenvolvimento em Itália. É o caso do troço que atravessa a região da Canavese, no Piemonte, entre Turim e o vale de Aosta.
Cinquenta e cinco quilómetros de caminhos de terra e pedra -cujo pavimento, em alguns pontos, remonta à época romana ou medieval- serpenteiam por uma das regiões mais verdes da Europa. O itinerário começa em Pont-Saint-Martin, uma pequena comuna no vale de Aosta, cuja ponte, construída em 25 a.C. para permitir o acesso das legiões romanas à Gália, marca a entrada no território piemontês; passa, em seguida, por meia dúzia de comunas medievais e pitorescas, entre elas a sedutora cidade de Ivrea, e termina em Cavaglia, na direcção de Vercelli. Na verdade, este traçado é apenas uma pequena parcela da Via Francígena, que se estende por cerca de 1600 km.
No ano 58 a.C., Júlio César inaugurou a “Estrada de Roma”, que depressa se transformou na espinha dorsal do sistema rodoviário da Europa Ocidental.
Em consequência do domínio árabe sobre Jerusalém (no ano 640), Roma passou a ser o principal destino das peregrinações cristãs, assim se mantendo até ao início do culto de Santiago, em Compostela (Galiza), no século X. Em Itália, na Alta Idade Média, o percurso seguiu itinerários lombardos baseados nas vias romanas.
A Via recebeu a designação de “Iter Francorum” em 725, passando a ser conhecida como Via Francígena em 876. Com a proclamação dos Anos Santos a partir de 1300 [através dos quais o Papa concedia pleno perdão aos pecadores que iniciavam a peregrinação a Roma], o fluxo chegava a ser, frequentemente, de dezenas de milhares por ano. A peregrinação a Roma pela Via Francígena caiu em desuso por volta do século XVII.
Uma estrada que mudou muito
Segundo Adelaide Trezzini, presidente da Associação Internacional da Via Francígena (CAIVF), em 1985, Giovanni Caselli, especialista em arqueologia rodoviária, registou, nos mapas e no terreno, o itinerário do arcebispo Sigéric de Cantuária, que foi a Roma, em 990, para receber o pálio das mãos do papa João XV.
No caminho de regresso à Grã-Bretanha, o arcebispo saxónico manteve um diário onde anotou meticulosamente as 79 etapas da sua viagem. São estas as etapas que constituem a Via Francígena tal como a conhecemos hoje.
No entanto, esta conheceu numerosas variantes ao longo dos séculos. Em vez de ser uma via com traçado definitivo, assemelhava-se a um encadeado de trajectos e caminhos que ligavam igrejas, mosteiros e outros locais de devoção, onde os peregrinos podiam reunir-se, como a Sacra di San Michele, no vale de Susa, a poucos quilómetros de Turim.
Se o peregrino moderno pode continuar a pernoitar nos inúmeros edifícios religiosos que cruzam o caminho, deve-o à natureza luxuriante envolvente que lhe inspira o sentimento de aproximação ao divino e à riqueza infinita da criação. Paisagens ostentando a paleta completa do verde e lagos de águas calmas aguardam a caminhante ao longo dos caminhos.
Este não deixará, sem dúvida, de se maravilhar perante a majestade imponente do “circo glaciar” de Ivrea. Esta formação geológica, um vasto anfiteatro que se estende por 530 quilómetros quadrados, surgiu durante o Pleistoceno e resulta de sucessivas fases de expansão e retracção do glaciar Baltoro, que veio do vale de Aosta depois de ter passado pelas vertentes meridionais do Monte Branco.
Cordilheiras e depósitos glaciares, blocos erráticos, turfeiras, bacias lacustres… são alguns dos elementos geomorfológicos que fazem do “circo glaciar” de Ivrea um dos locais de origem glaciar mais notáveis e melhor conservados do planeta. É também nos arredores de Montalto Dora que passa a “linea insubrica”, a maior falha tectónica da cadeia dos Alpes.
Toscânia.Troço da Vila Francigena
Os da montanha
Os apaixonados pelas grandes caminhadas e os amantes dos prazeres terrenos podem ficar tranquilos. O troço de Canavese reserva-lhes boas surpresas. Em Carema, a primeira vila depois de Pont-Saint-Martin, encontrar-se-ão face-a-face com um exército de “pilun”, pilares de pedra de forma característica que suportam as pérgulas das vinhas plantadas em socalcos. De noite, libertam o calor acumulado durante o dia e permitem uma maior resistência das plantas ao frio das montanhas.
É nestas terras altas que se produz o “carema”, um vinho tinto cor de rubi e de gosto aveludado, que beneficia da designação de origem controlada.
Algumas etapas mais à frente, antes de chegar a Borgofranco d’Ivrea, os amantes de Baco não deixarão de apreciar as "balmetti". Incrustadas nas montanhas, estas adegas naturais, escavadas na rocha, permitem manter a humidade e a temperatura a níveis constantes. Correntes de ar, chamadas “ore”, causadas por um fenómeno natural no interior do maciço de Mombarone, são captadas por uma rede de pequenos orifícios e permitem conservar vinhos, queijos e enchidos ao longo de todo o ano. Estas “balmetti”, que remontam a meados do século XVIII, são transmitidas de geração para geração e constituem o orgulho dos seus proprietários.
Ao longo do tempo, tornaram-se locais de convívio entre amigos em volta dum copo de vinho e um petisco. Como prova disso, a rua onde se situa a maioria tem o nome de Via del Buonumore (rua do bom humor).
Todos os anos, no terceiro domingo de Junho, as portas abrem-se para uma jornada de festa popular, baptizada de “Andona ai Balmit”, em que todos podem apreciar as delícias desta tradição local, baseada na cordialidade e na hospitalidade.
A redescoberta da Via Francígena não teria sido possível sem o esforço de associações como a de Trezzini que, gratuitamente, sinalizam os caminhos, organizam excursões, fornecem mapas e listas de alojamentos, trocam testemunhos na sua página na Internet, etc. Com resultados excelentes, pois o número de peregrinos tem aumentado regularmente desde 2001.
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Quinta no Vale de Susa, na Sacra di San Michele, no Piemonte italiano [Foto Yvan Travert]
Anichada no cimo do monte Pirchiriano (962m) como uma sentinela silenciosa, a Sacra di San Michele vigia a entrada do Piemonte. Não foi por acaso que este imponente monumento religioso, de formato singular, foi escolhido como símbolo da região. Construída no século X, a abadia foi uma etapa obrigatória da Via Francígena, além de se situar a meio caminho dum percurso que une os três grandes locais de devoção ao arcanjo, desde o Monte Saint-Michel, na Baixa Normandia, até ao santuário do Monte Gargano, na Apúlia (Itália). Por vezes, esta rota chega a ser conhecida como Via Francígena do Sul.
Depois de chegarem a Roma, os peregrinos fazem uma última paragem no santuário de Gargano, na ponta da península, antes de continuarem a sua peregrinação e embarcarem para Jerusalém.
Peregrinos diplomados
São já 1850, os peregrinos que percorrem a Via Francígena desde 2001, e obtiveram o respectivo “testimonium”, um pergaminho de edição limitada, emitido pela Associação Internacional Via Francígena e entregue na Basílica de São Pedro aos caminhantes que tenham percorrido, pelo menos, o caminho entre Acquapendente e Roma (150 km), ou feito o percurso em bicicleta desde Lucques (400 km). Apenas 35% dos caminhantes efectuam a peregrinação por motivos religiosos.
A marca F
Encontramos a marca do peregrino, por vezes denominada por um F, ao longo de todo o trajecto da Via Francígena que atravessa a região de Canavese, entre Turim e o Vale de Aosta.
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