Desistir do amor será talvez inevitável,
mas seguramente obsceno.
Júlio Machado Vaz
O grande amor da minha vida, à semelhança de todas as paixões veementes e sinceras, não foi, não podia ser feliz, e dava para uma linda novela que só teria o defeito de a verdade aparecer inverosímil. Começou, tinha eu 23 anos, quando tentava namorar, num teatro de Sevilha, uma senhora ao lado de quem estava uma menina, quase criança ainda, que se julgou o objecto dos meus requebros. O curioso, também, é que eu, no momento, iludi-me com os olhares da senhora requestada: tomava-os para mim, e eles iam de alma e coração para um oficial de cavalaria que me estava perto. O quiproquó desfez-se; depois comecei a reparar na menina, que encontrava por todos os lados, nos passeios, nas igrejas, nas tertúlias, e que ruborescia como rosa de Maio apenas me encarava. Iniciou-se o galanteio, estabeleceu-se correspondência; e como era uso em Sevilha, eu acudia todas as noites a falar-lhe às grades de uma janela do seu palácio que abria para uma travessa erma e tortuosa. E neste regime romântico andámos perto de 6 anos! que foram tempestuosos, e cruéis, e adoráveis. Tudo me era pretexto para ir a Sevilha; e à custa de quantos sacrifícios e habilidades, muitas vezes! [...] Mas não vem para aqui a narração do que foram esses 6 anos de divinos tormentos. Basta dizer o desfecho. O amor entrara naquele coração virginal, em labaredas, e com todo o seu cortejo de ilusões; e consumira-se por si à medida que as ilusões se desfaziam. Mas, na ingenuidade do seu arrebatamento, ela fizera-me promessas a que se julgava ligada eternamente: "mais ainda do que se a Santa Madre Igreja as houvesse sancionado", repetia-me a miúdo, e ao seu espírito brioso, e de católica fervente, afigurava-se mais fácil morrer do que faltar ao prometido. Em mim o amor, que nascera da curiosidade, ateara-se lentamente, e tomara tais proporções que a morte me parecia mil vezes preferível a perdê-la. Mas a oposição, por parte do pai, à nossa união, era invencível; a minha namorada, já rica de si pelo legado de um tio-avô, era filha única, e herdeira de um grande nome e de uma fortuna imensa, e eu não tinha, como se diz na minha terra, "nem eira, nem beira, nem ramo de figueira"; e quando me convenci de que o seu amor desaparecera, julguei-me obrigado a desligá-la dos seus juramentos. Foi uma operação horrorosa, uma espécie de amputação que me deixou leso para o resto da vida. Mas fi-la.
Manuel Teixeira-Gomes, in Miscelânea
(através de David Mourão-Ferreira, in Terraço Aberto)
* Outros BLOGUES onde estou...
* MEMÓRIAS
* RECANTOS
* BLOGUES COM "EDUCAÇÃO"
* Ecos
* Movimento dos Professores Revoltados
* Movimento Mobilização e Unidade dos Professores
* Não calarei a minha voz... até que o teclado se rompa
* Paideia:reflectir sobre Educação
* Sem Rede
* IMPRENSA
* Expresso
* Público
* Visão
* OUTROS BLOGUES
* Murcon
* SÍTIOS
* Arquivo Maria de Lourdes Pintasilgo
* G.A.I.A.
* Seis anos de divinos torm...