Recusar Velhos do Restelo
1.Em 1949, quando a voz tinha de ser só uma, certo grande poeta, José Régio, professor em Portalegre, arriscando-se às consequências, ergueu a sua, a denunciar a ditadura e o medo. Havia eleições para a presidência da República e Norton de Matos era o candidato da oposição. Régio apoiou-o. Num caderno da Seara Nova, acerca do medo, escreveu: “inimigo da alma: porque é o medo que tolhe até os impulsos mais generosos, faz desistir até das aspirações mais justas, afoga até o grito mais espontâneo, corrompe e assombra até a mais clara visão da vida.” O medo de quê? De nos arriscarmos e reclamarmos a justiça social? 60 anos passados, o virar de costas à realidade, que é, sobretudo, virarmos as costas a nós próprios e desrespeitar-nos, continua na raiz da resignação portuguesa. Evitamos o risco: o incómodo de nos manifestarmos, e tendemos a ir atrás dos outros indiferentes.
2.Indiferentes a quê? Ao futuro. Encolhemos os ombros (encolhemos a alma) e pensamos: que venha ele, futuro, como vier! E das duas uma: ou nos chegamos aos que parecem garantir a paz podre ou abstemo-nos de nos manifestar. Em eleições, isso descamba no seguinte: ou preferimos aqueles que se mostram dispostos a não melhorar nada (e, afinal, continuam a tirar partido do que está mal ou péssimo) e elegemos os ultraconservadores em vez dos que prometem caminhos renovados, mais justos – ou, razoando para esconder o medo, pura e simplesmente, nos abstemos de votar. Lá está o medo, “inimigo da alma”. Lá está o homem a rebaixar-se. Lá está o homem a não querer saber que é responsável pela sociedade em que vive – e a deixar a própria vida por mãos alheias.
Manuel Poppe, O Outro Lado
Jornal de Notícias [13.Setembroo.2009]
Se queres caminhar para o futuro
tens de olhar para o passado.
[…]
Sem memória não há ideias, sem ideias não há pensamento, sem pensamento não há criatividade e sem criatividade não há futuro.
Agora as pessoas, sobretudo os que nos governam, estão perversamente a apagar a memória e a vender o seu peixe. É por esta razão que os grandes criadores portugueses estão a dar grande importância à memória.
[…]
A Direita endeusou, a Esquerda simbolizou o Deus do bem e do mal, mas o político tem apenas de ser reduzido à sua condição humana. A maior parte dos nossos políticos, jovens, dinâmicos e pós-modernos ainda não repararam que estão todos no séc. XIX e não no séc. XXI. Enquanto isto, o grosso das pessoas recusa pensar, sonhar e agarra-se à sua existência como se não houvesse vida paralela. Há medo, nunca vi tanto medo no meu país.
Fernando Dacosta
Jornal de Notícias [21.Nov.2008]