Dito Mariano amava Dulcineusa? Essa era a minha crença, o particípio sem passado. Recordava-me das conversas entre eles, já velhos que eram. A Avó Dulcineusa sentada na berma da cama:
- Você já não sonha comigo, homem?
- Sonho, sim.
- Mentira, não sonha.
- E como sabe, Dulcineusa?
- Porque, ultimamente, não tenho andado bonita.
No seguido, logo ele se levantava e a abraçava como se a tivesse visto pela primeira vez. E os seus se milagravam. No rosto de Dulcineusa se apagava a ruga. Essa mesma ruga que sublinha agora a sua ansiedade.
- Me diga, meu neto: ele dizia que me amava?
- Quer dizer, falava de modo indirecto.
- Eu preciso que me conte isso, meu neto. Lhe explico: este enviuvar me parece quase um casamento.
- Um casamento?
- É o que eu sinto, sem Mariano. A alegria de só agora casar com ele.
- Isso não é pecado, Avó. Até é bonito…
- Me apetece, pela primeira vez, subir a bainha, baixar o decote, usar pó-de-arroz.
O modo como os dois se encontraram era história na família. Mariano repetia vezes sem conta esse episódio. Mas com variações tantas que nunca se podia empenhar crédito.
- Fosse eu assim, velho, quando lhe encontrei e eu lhe teria amado melhor. Não tanto, mas melhor, muito melhor.
Dulcineusa fingia um desdenho:
- Há tanta vizinha e logo você foi notar em mim.
Mariano já não seria muito moço quando a conheceu. A Avó era operária na fábrica de caju, descascadora dos ácidos frutos. Nessa altura, as mãos delas ainda não tinham sido comidas pelas corrosivas seivas do caju. Dito Mariano possuía um gato, treinado para os indevidos fins. O bichano era lançado em plenas vielas nocturnas e se infiltrava pelos quintais até detectar uma moça solteira, disposta e disponível. Durante consecutivas noites, o gato insistiu em se imiscuir na casa de Dulcineusa. Não havia dúvida: era ela a escolhida. Mariano começou a aparecer no pátio de Dulcineusa com desculpa de comprar castanha de caju. Ela ainda era magrita, bem cabida nos panos, lenço adornando a cabeça, brinco de missangas na orelha.
Dulcineusa sorria, matreiramente, quando o via surgir. Mas ele não se afigurava em fraqueza. Ombros empinados, pescoço hasteado. A frase lustrada, tão bem escolhida quanto o sapato. A Avó, mesmo assim resistia:
- Não sou namorável, Mariano.
- E se eu lhe pedir um beijo?
- Vou demorar a vida inteira para lhe dar esse beijo.
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