Segunda-feira, 30 de Abril de 2007

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS NÃO PODEMOS IGNORAR

Adolf Hitler - Presidente e Chanceler da Alemanha

  

 

Hitler

 

Nasceu em Braunau-am-Inn, Áustria, em 20 de Abril de 1889;
morreu em Berlim em 30 de Abril de 1945

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Pois é! Faz 62 anos que Hitler morreu. Morreu mas não pode ser esquecido. As ideias que defendeu e pôs em prática são de tal modo hediondas que não pode haver, para elas, o esquecimento. Aqui fica um excerto dum romance do Paul Auster para que não se esqueça. Coisas destas, NUNCA MAIS!!!

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“Eu vi o fim de todas as coisas. Eu desci às entranhas do inferno, e vi o fim. Um tipo regressa duma viagem dessas e, por muito tempo que viva, há uma parte dele que estará sempre morta.

Quando é que foi isso?

Abril de 1945. A minha unidade estava na Alemanha, fomos nós que libertámos Dachau. Trinta mil esqueletos que ainda respiravam. Você viu as fotos, mas as fotos não nos dizem como é que era aquilo. Um tipo tem de lá estar e de cheirar aquilo com o seu próprio nariz, tem de lá estar e de tocar naquilo com as suas próprias mãos. Seres humanos fizeram aquilo a outros seres humanos, e fizeram-no dum modo perfeitamente consciente. Esse foi o fim da humanidade. Deus desviou os seus olhos de nós e abandonou o mundo para todo o sempre. E eu estava lá para testemunhar aquilo.

Quanto tempo esteve no campo?

Dois meses. Eu era cozinheiro, pertencia à equipa da cozinha. O meu trabalho consistia em alimentar os sobreviventes. Com certeza que leu as histórias sobre alguns presos que não conseguiam parar de comer. Eles tinham pensado em comida durante tanto, tanto tempo, que era impossível não fazerem isso. Comiam até os estômagos rebentarem, e morriam. Centenas deles. No segundo dia, uma mulher veio ter comigo com um bebé nos braços. Estava louca, essa mulher, via-se bem que estava, via-se no modo como os seus olhos dançavam nas órbitas, sempre a dançar, sempre a dançar nas órbitas, e tão magra, tão desnutrida, que eu não percebia como é que ela conseguia manter-se de pé. Não me pediu comida, mas queria que eu desse um pouco de leite ao bebé. Fiquei todo contente por poder satisfazer o pedido da mulher, mas, quando ela me pôs o bebé nos braços, eu vi que ele estava morto, que estava morto havia vários dias. Tinha a cara toda engelhada e negra, uma coisa minúscula que não pesava quase nada, não mais que pele engelhada e pus seco e ossos que não pesavam mais que uma pena. A mulher não parava de me pedir leite para o filho, de maneira que deitei umas gotas nos lábios do bebé. Não sabia que outra coisa havia de fazer. Deitei o leite nos lábios do bebé morto e depois a mulher pegou no seu filho – tão feliz, tão feliz, que começou a entoar baixinho uma canção, quase que cantava, de facto, quase que cantava naquele jeito alegre, carinhoso... Não sei se alguma vez vi alguém tão feliz como ela estava naquele momento, enquanto se afastava com o bebé morto nos braços, cantando porque, finalmente, pudera dar-lhe um pouco de leite. Fiquei parado a olhar para ela. Andou para aí uns cinco metros num passo vacilante, e, depois, os joelhos cederam e, antes que eu conseguisse correr e apanhá-la, a mulher caiu morta na lama. Para mim foi isso que desencadeou tudo. Quando vi aquela mulher morrer, a tive a menor dúvida de que tinha de fazer qualquer coisa. Eu não podia limitar-me a regressar a casa e esquecer tudo o que vira. Tinha de guardar aquele sítio na minha cabeça, tinha de continuar a pensar naquilo todos os dias do resto da minha vida.”

 

Paul Auster,  A Noite do Oráculo (Baseado num acontecimento real)

 

 

 

 

publicado por Elisabete às 20:00
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Domingo, 29 de Abril de 2007

VOLTAIRE, ainda actual

"A DÚVIDA NÃO É UMA SITUAÇÃO APRAZÍVEL,

MAS A CERTEZA É ABSURDA."

 

                                                           VOLTAIRE

 

 

 

Voltaire

 

 

François-Marie Arouet,  mais conhecido pelo pseudónimo de Voltaire, nasceu em Paris em 21 de Novembro de 1694 e morreu na mesma cidade em 30 de Maio de 1778. Foi membro da Maçonaria e um dos principais filósofo iluministas  franceses.  Atacou, com veemência, todos os abusos praticados pelos monarcas absolutistas e pela Igreja Católica. Defendia que o poder devia ser exercido de maneira racional e benéfica. Para ele, a sociedade devia ser reformada mediante o progresso da razão e o alargamento da instrução, para libertar os homens da superstição e do fanatismo.

Introduziu várias reformas na França, como a liberdade de imprensa, um sistema imparcial de justiça criminal, tolerância religiosa, tributação proporcional e redução dos privilégios da nobreza e do clero.

  

publicado por Elisabete às 17:45
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Sábado, 28 de Abril de 2007

JOÃO AGUIAR

 

João Aguiar nasceu em Lisboa, em 1943. Frequentou o Curso de Filosofia da Faculdade de Letras (Universidade Clássica de Lisboa), que abandonou para se licenciar em Jornalismo pela Universidade Livre de Bruxelas. Em 1976, regressou a Lisboa. Tendo trabalhado na imprensa escrita, rádio e televisão, publicou o seu primeiro romance, A Voz dos Deuses, com 40 anos, em 1984.

 

                

 

 

Embora conhecesse a cara e o nome do João Aguiar há já bastante tempo, só tomei contacto com os seus livros, parece-me, no ano 2000. Encontrava-me, nessa altura, a viver na Ribeira Grande (Ilha de S. Miguel, Açores) e, como o tempo lá “rende mais”, frequentava a Biblioteca Municipal da cidade. Um dia, dou com vários livros do João Aguiar numa das estantes. Fiquei curiosa e resolvi levar, se não me engano, A Voz dos Deuses. Gostei mesmo e, a partir daí, li todos os outros. Lembro-me de que, quando terminei o Navegador Solitário, fui à Livraria da ASA, em Ponta Delgada, e comprei um exemplar.

E foi, precisamente, o facto de ter  acabado de reler esse romance, hoje, que me decidiu a fazer este “post”.

João Aguiar é um português com memória, o que é raro. Os seus romances buscam a nossa memória colectiva para além da existência de Portugal como país. Mas a sua interpretação dos factos tem, por vezes, um misto de esoterismo e misticismo que mostra a importância do religioso, da transcendência na vidas das pessoas e dos povos (A Voz dos Deuses, A Hora de Sertório, O Trono do Altíssimo...)

Em relação ao presente, mostra-se bastante crítico da mediocridade que tomou conta da vida do homem contemporâneo. Da falta de escrúpulos e de dignidade. Parece defender, até, o regresso a uma vida mais simples, mais livre e pura, onde o amor e a bondade não sejam palavras vãs. Termina o Navegador Solitário dizendo:

 

Mas a única diferença que nos distingue dos doutores Severo e Brandão e dos engenheiros e dos gestores e dos financeiros e dos capitalistas e dos presidentes de executivo e de clube que nos governam e dominam – a única diferença que nos distingue é estarmos decididos a construir outra coisa à nossa inteira custa, lançando alicerces na vasa, esperando que no fundo da vasa haja ainda, por acaso, alguma rocha que não seja friável.

De modo a que os nossos filhos possam vir a ser outra vez Adão e Eva, quem sabe.”

 

 E quanto ao futuro? A visão de João Aguiar é, como não podia deixar de ser, bastante pessimista. Embora se considere um romancista e não um avisador, n’O Jardim das Delícias, alerta-nos para um futuro onde não nos será, sequer, possível tomar partido por qualquer das partes em confronto, quando este surgir, numa  Federação Europeia “massificada, estupidificada, dominada pelos Estados mais poderosos, os quais, por sua vez, obedecem cegamente a grandes grupos económicos, que apenas se ocupam dos seus interesses”.

 

Não podia estar mais de acordo com João Aguiar. Não foi por acaso que, ao criar o meu blog, quis uma frase dele no seu cabeçalho.

 

publicado por Elisabete às 22:03
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Sexta-feira, 27 de Abril de 2007

HOJE: o desencanto?

Atrevo-me a transcrever as crónicas (a propósito do aniversário do 25 de Abril) de dois escritores que admiro e com quem estou, muitas vezes, de acordo. São eles, Manuel António Pina e Baptista-Bastos. Como diz o primeiro, mesmo que seja só pelas horas de esperança e de deslumbramento que o 25 de Abril nos proporcionou, valeu a pena ter vivido.

Alguma coisa ficou que, sem dúvida não queremos perder.

No entanto, como diz o segundo, a "via portuguesa para o socialismo" não se concretizou porque ninguém sabia o que era o socialismo, especialmente os socialistas.

Pelo que tem estado sempre à vista nestes 33 anos, e em especial nos dias que correm, os que se dizem "socialistas" continuam a não saber. Mais: são iguais aos que não se dizem. Eu até já nem estou à espera que eles sejam socialistas... Desejo apenas uma diferença: que o objectivo final das suas políticas seja o homem e não a economia. Que a obsessão do deficit seja substituída pela preocupação maior de proporcionar, a todos os portugueses, uma vida digna. E quando digo digna, não me refiro apenas a um nível de vida mais elevado. O que eu quero é "qualidade de vida" com tudo o que este conceito implica.

Como Pessoa, penso que Portugal ainda está por cumprir. 

  

 

 

 

       

     

 

 

 

 

 

 

 

 

   O que é nosso

 

Há 33 anos, de súbito, o mundo abriu-se, e o horror, que parecia irremediável e sempiterno, desmoronou-se de um momento para o outro sob os nossos olhos, deixando à vista o tamanho, desmesurado como nunca, da esperança. Foram breves e deslumbradas horas, e talvez tenha valido a pena ter vivido só por elas. Nunca, como nesse dia, estivemos tão próximos uns dos outros nem fomos tão frágeis e tão vulneráveis. Como sonâmbulos, tacteávamos convulsamente o mundo e a vida à nossa volta (o mesmo mundo de sempre, inesperadamente límpido e primeiro!), tropeçando nos nossos próprios sentimentos, sem percebermos se estávamos dentro se fora de nós. E só tínhamos uma palavra desconhecida para o que os nossos olhos viam e o nosso coração sobressaltadamente experimentava "liberdade". Murmurávamo-la para nós mesmos e gritávamo-la uns para as outros como quem revela um segredo longo tempo reprimido, descobrindo alvoroçadamente algo novo e espantoso: não tínhamos medo. Depressa, porém, a dúvida e a suspeita saíram da sombra e se interpuseram entre nós, apropriando-se da única coisa que tínhamos, uma imatura palavra, para no-la vender de novo, devidamente embrulhada e a prestações. 33 anos depois ainda estamos a pagar (e a quem!, e por que preço!) o que é nosso.

Manuel António Pina, in Jornal de Notícias


 

 


 

Na cartografia das nossas revoluções comemora-se, hoje, uma vitória imprescindível: a da liberdade; e uma derrota vital: a da esperança. A ambivalência deste círculo revela muito das históricas frustrações que nos perseguem. Tropeçamos, desde 1383, no paradoxo de iniciar processos excepcionais de alteração social, criamos um pouco de desassossego e, depois, estatelamo-nos nos escombros dos desaires.

Há trinta e três anos fomos movidos pela fé. Tudo estava ao nosso alcance e íamos subir, esfuziantes, a escada de Jacob porque o céu era ali mesmo. As religiões criam uma espécie de promessa eloquente de bem-aventurança. Como se pedaços do paraíso tombassem brandamente na terra. O espectáculo, iluminado pelo fervor da candura, alvoroçou-nos e sacudiu a mansuetude dos nossos hábitos. Vivemos, então, a miopia de dominar os destinos colectivos, qualquer que seja o turvo significado da entusiasmada expressão. As coisas iam pertencer-nos, a pátria seria feliz e confiada; haviam sido removidos o abandono, a indecisão, a dúvida; as ruas e os seus clamores líricos constituíam autobiografias transpostas.

O festim durou pouco. A singularidade da "via portuguesa para o socialismo" representava-se na modesta circunstância de ninguém saber, verdadeiramente, o que era o "socialismo" - em especial os "socialistas". Todos os partidos inscreveram nos seus textos sacrossantos a extraordinária palavra. A qual, inesperadamente também, desapareceu dos teores, das doutrinas, dos projectos e das convicções de quase todos os partidos.

A pátria voltou a ser o revés de si própria. Refém de um passado engravatado, cabisbaixo e deprimido, Portugal "portugalizou-se", e os portugueses deixaram de significar para tornarem a ser insignificantes. Roger Vailland, grande escritor francês, carimbou a expressão num romance, La Loi, no qual a personagem principal, um patriarca italiano, Don Cesare, viajado e culto, discreteia acerca de um país cujo povo se "desinteressara". Um país onde os escritores não escreviam, os jornalistas não faziam jornalismo, os homens de negócios viviam dos lucros, os políticos governavam para o estrangeiro. Lia-se: "Ele pensara que a pior das desgraças era a de nascer português." A frase será exagerada; mas contém muito daquilo que muitos de nós pensamos.

"Portugalizar" é uma metáfora feroz e irónica. Todavia, caracteriza a nossa taciturna aceitação ao que consideramos fatalidade. Há trinta e três anos alimentámos um sonho buliçoso, sentimental, ocasional e frágil. O despertar desfez a fábula de que as coisas devem pertencer a quem as ama. Talvez sejamos culpados, porque não soubemos defender com paixão o que, apaixonadamente, desejávamos nos pertencesse.

Baptista-Bastos, in Diário de Notícias

publicado por Elisabete às 11:43
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Quinta-feira, 26 de Abril de 2007

NO DIA SEGUINTE (quase)

  Apesar da maior parte das pessoas possa já não se lembrar dos factos, vale mesmo a pena ler este texto. Eu ouvi-o, dito pelo próprio José Mário Branco, há já alguns anos, no salão da Junta de Freguesia do Bonfim, na cidade do Porto, e foi simplesmente de arrepiar.

Vou, vou-vos mostrar mais um pedaço da minha vida, um pedaço um pouco especial, trata-se de um texto que foi escrito, assim, de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79, e que talvez tenha um ou outro pormenor que já não é muito actual. Eu vou-vos dar o texto tal e qual como eu o escrevi nessa altura, sem ter modificado nada, por isso vos peço que não se deixem distrair por esses pormenores que possam ser já não muito actuais e que isso não contribua para desviar a vossa atenção do que me parece ser o essencial neste texto.
Chama-se FMI.
Quer dizer: Fundo Monetário Internacional.
Não sei porque é que se riem, é uma organização democrática dos países todos, que se reúnem, como as pessoas, em torno de uma mesa para discutir os seus assuntos, e no fim tomar as decisões que interessam a todos...
É o internacionalismo monetário!

 

FMI

Cachucho não é coisa que me traga a mim
Mais novidade do que lagostim
Nariz que reconhece o cheiro do pilim
Distingue bem o Mortimor do Meirim
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Há tanto nesta terra que ainda está por fazer
Entrar por aí a dentro, analisar, e então
Do meu 'attachi-case' sai a solução!

FMI Não há graça que não faça o FMI
FMI O bombástico de plástico para si
FMI Não há força que retorça o FMI

Discreto e ordenado mas nem por isso fraco
Eis a imagem 'on the rocks' do cancro do tabaco
Enfio uma gravata em cada fato-macaco
E meto o pessoal todo no mesmo saco
A produtividade, ora aí está, quer dizer
Não ando aqui a brincar, não há tempo a perder
Batendo o pé na casa, espanador na mão
É só desinfectar em superprodução!

FMI Não há truque que não lucre ao FMI
FMI O heróico paranóico 'hara-quiri'
FMI Panegírico, pro-lírico daqui

Palavras, palavras, palavras e não só
Palavras para si e palavras para dó
A contas com o nada que swingar o sol-e-dó
Depois a criadagem lava o pé e limpa o pó
A produtividade, ora nem mais, celulazinhas cinzentas
Sempre atentas
E levas pela tromba se não te pões a pau
Num encontrão imediato do 3º grau!

FMI Não há lenha que detenha o FMI
FMI Não há ronha que envergonhe o FMI
FMI ...

Entretém-te, filho, entretém-te, não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer, mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt'e-quer, messe gigantesca, vem-te vindo, vi-me na cozinha, vi-me na casa-de-banho, vi-me no Politeama, vi-me no Águia D'ouro, vi-me em toda a parte, vem-te filho, vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão, olha os pombinhos pneumáticos que te orgulham por esses cartazes fora, olha a Música no Coração da Indira Gandi, olha o Muchê Dyane que te traz debaixo d'olho, o respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho? Nós somos um povo de respeitinho muito lindo, saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho? Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde. Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo, o teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos, como o astro, não é filho? O cabrão do astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é? Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar, para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta destabilização filha-da-puta, não é filho? Pois claro! Estás aí a olhar para mim, estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto, pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transacção e estás a pensar lá com os teus botões: Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é? Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde que nasceste? A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote! Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho? Onde está o teu Extremo Oriente, filho? Ah-ni-qui-bé-bé, ah-ni-qui-bó-bó, tu és 'Sepúlveda' tu és Adamastor, pois claro, tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho? Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida! Entretém-te filho, entretém-te! Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva, e salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala e ritmo de pop-xula, não é filho?
A one, a two, a one two three

FMI dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Come on you son of a bitch! Come on baby a ver se me comes! Come on Luís Vaz, 'amanda'-lhe com os decassílabos que os senhores já vão ver o que é meterem-se com uma nação de poetas! E zás, enfio-te o Manuel Alegre no Mário Soares, zás, enfio-te o Ary dos Santos no Álvaro de Cunhal, zás, enfio-te o Zé Fanha no Acácio Barreiros, zás, enfio-te a Natália Correia no Sá Carneiro, zás, enfio-te o Pedro Homem de Melo no Parque Mayer e acabamos todos numa sardinhada ao integralismo Lusitano, a estender o braço, meio Rolão Preto, meio Steve McQueen, ok boss, tudo ok, estamos numa porreira meu, um tripe fenomenal, proibido voltar atrás, viva a liberdade, né filho? Pois, o irreversível, pois claro, o irreversivelzinho, pluralismo a dar com um pau, nada será como dantes, agora todos se chateiam de outra maneira, né filho? Ora que porra, deixa lá correr uma fila ao menos, malta pá, é assim mesmo, cada um a curtir a sua, podia ser tão porreiro, não é? Preocupações, crises políticas pá? A culpa é dos partidos pá! Esta merda dos partidos é que divide a malta pá, pois pá, é só paleio pá, o pessoal na quer é trabalhar pá! Razão tem o Jaime Neves pá! (Olha deixaste cair as chaves do carro!) Pois pá! (Que é essa orelha de preto que tens no porta-chaves?) É pá, deixa-te disso, não destabilizes pá! Eh, faz favor, mais uma bica e um pastel de nata. Uma porra pá, um autentico desastre o 25 de Abril, esta confusão pá, a malta estava sossegadinha, a bica a 15 tostões, a gasosa a sete e coroa... Tá bem, essa merda da Pide pá, Tarrafais e o carago, mas no fim de contas quem é que não colaborava, ah? Quantos bufos é que não havia nesta merda deste país, ah? Quem é que não se calava, quem é que arriscava coiro e cabelo, assim mesmo, o que se chama arriscar, ah? Meia dúzia de líricos, pá, meia dúzia de líricos que acabavam todos a fugir para o estrangeiro, pá, isto é tudo a mesma carneirada! Oh sr. guarda venha cá, á, venha ver o que isto é, é, o barulho que vai aqui, i, o neto a bater na avó, ó, deu-lhe um pontapé no cu, né filho? Tu vais conversando, conversando, que ao menos agora pode-se falar, ou já não se pode? Ou já começaste a fazer a tua revisãozinha constitucional tamanho familiar, ah? Estás desiludido com as promessas de Abril, né? As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?

FMI Dida didadi dadi dadi da didi
FMI ...

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta merda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta merda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer isto dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular! Somos todos muita bons no fundo, né? Somos todos uma nação de pecadores e de vendidos, né? Somos todos, ou anticomunistas ou antifascistas, estas coisas até já nem querem dizer nada, ismos para aqui, ismos para acolá, as palavras é só bolinhas de sabão, parole parole parole e o Zé é que se lixa, cá o pintas azeite mexilhão, eu quero lá saber deste paleio vou mas é ao futebol, pronto, viva o Porto, viva o Benfica, Lourosa, Lourosa, Marraças, Marraças, fora o árbitro, gatuno, bora tudo p'ro caralho, razão tinha o Tonico de Bastos para se entreter, né filho? Entretém-te filho, com as tuas viúvas e as tuas órfãs que o teu delegado sindical vai tratando da saúde aos administradores, entretém-te, que o ministro do trabalho trata da saúde aos delegados sindicais, entretém-te filho, que a oposição parlamentar trata da saúde ao ministro do trabalho, entretém-te, que o Eanes trata da saúde à oposição parlamentar, entretém-te, que o FMI trata da saúde ao Eanes, entretém-te filho e vai para a cama descansado que há milhares de gajos inteligentes a pensar em tudo neste mesmo instante, enquanto tu adormeces a não pensar em nada, milhares e milhares de tipos inteligentes e poderosos com computadores, redes de policia secreta, telefones, carros de assalto, exércitos inteiros, congressos universitários, eu sei lá! Podes estar descansado que o Teng Hsiao-Ping está a tratar de ti com o Jimmy Carter, o Brezhnev está a tratar de ti com o João Paulo II, tudo corre bem, a ver quem se vai abotoar com os 25 tostões de riqueza que tu vais produzir amanhã nas tuas oito horas. A ver quem vai ser capaz de convencer de que a culpa é tua e só tua se o teu salário perde valor todos os dias, ou de te convencer de que a culpa é só tua se o teu poder de compra é como o rio de S. Pedro de Moel que se some nas areias em plena praia, ali a 10 metros do mar em maré cheia e nunca consegue desaguar de maneira que se possa dizer: porra, finalmente o rio desaguou! Hão te convencer de que a culpa é tua e tu sem culpa nenhuma, tens tu a ver, tens tu a ver com isso, não é filho? Cada um que se vá safando como puder, é mesmo assim, não é? Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer, votas à esquerda moderada nas sindicais, votas no centro moderado nas deputais, e votas na direita moderada nas presidenciais! Que mais querem eles, que lhe ofereças a Europa no natal?! Era o que faltava! É assim mesmo, julgam que te levam de mercedes, ora toma, para safado, safado e meio, né filho? Nem para a frente nem para trás e eles que tratem do resto, os gatunos, que são pagos para isso, né? Claro! Que se lixem as alternativas, para trabalho já me chega. Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti, se hás-de construir barcos para a Polónia ou cabeças de alfinete para a Suécia, se hás-de plantar tomate para o Canada ou eucaliptos para o Japão, descansa que eles tratam disso, se hás-de comer bacalhau só nos anos bissextos ou hás-de beber vinho sintético de Alguidares-de-Baixo! Descansa, não penses em mais nada, que até neste país de pelintras se acho normal haver mãos desempregadas e se acha inevitável haver terras por cultivar! Descontrai baby, come on descontrai, arrefinfa-lhe o Bruce Lee, arrefinfa-lhe a macrobiótica, o biorritmo, o euroscópio, dois ou três ofeneologistas, um gigante da ilha de Páscoa e uma Grace do Mónaco de vez em quando para dar as boas festas às criancinhas! Piramiza filho, piramiza, antes que os chatos fujam todos para o Egipto, que assim é que tu te fazes um homenzinho e até já pagas multa se não fores ao recenseamento. Pois pá, isto é um país de analfabetos, pá! Dá-lhe no Travolta, dá-lhe no disco-sound, dá-lhe no pop-xula, pop-xula pop-xula, iehh iehh, J. Pimenta forever! Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti, não te chega para o bife? Antes no talho do que na farmácia; não te chega para a farmácia? Antes na farmácia do que no tribunal; não te chega para o tribunal? Antes a multa do que a morte; não te chega para o cangalheiro? Antes para a cova do que para não sei quem que há-de vir, cabrões de vindouros, ah? Sempre a merda do futuro, a merda do futuro, e eu ah? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá, e eu? José Mário Branco, 37 anos, isto é que é uma porra, anda aqui um gajo cheio de boas intenções, a pregar aos peixinhos, a arriscar o pêlo, e depois? É só porrada e mal viver é? O menino é mal criado, o menino é 'pequeno burguês', o menino pertence a uma classe sem futuro histórico... Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra, quero ser feliz agora, que se foda o futuro, que se foda o progresso, mais vale só do que mal acompanhado, vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa, filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos! Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego, não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui, deixem-me sozinho, só um minuto, vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e policias e generais para o raio que vos parta! Deixem-me sozinho, filhos da puta, deixem só um bocadinho, deixem-me só para sempre, tratem da vossa vida que eu trato da minha, pronto, já chega, sossego porra, silêncio porra, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só, deixem-me morrer descansado. Eu quero lá saber do Artur Agostinho e do Humberto Delgado, eu quero lá saber do Benfica e do bispo do Porto, eu quero se lixe o 13 de Maio e o 5 de Outubro e o Melo Antunes e a rainha de Inglaterra e o Santiago Carrilho e a Vera Lagoa, deixem-me só porra, rua, larguem-me, zórpila o fígado, arreda, 'terneio' Satanás, filhos da puta. Eu quero morrer sozinho ouviram? Eu quero morrer, eu quero que se foda o FMI, eu quero lá saber do FMI, eu quero que o FMI se foda, eu quero lá saber que o FMI me foda a mim, eu vou mas é votar no Pinheiro de Azevedo se eu tornar a ir para o hospital, pronto, bardamerda o FMI, o FMI é só um pretexto vosso seus cabrões, o FMI não existe, o FMI nunca aterrou na Portela coisa nenhuma, o FMI é uma finta vossa para virem para aqui com esse paleio, rua, desandem daqui para fora, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, a culpa é vossa, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe, oh mãe...

Mãe, eu quero ficar sozinho... Mãe, não quero pensar mais... Mãe, eu quero morrer mãe.
Eu quero desnascer, ir-me embora, sem ter que me ir embora. Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe? Diz, são coisas que se me perguntem? Não pode haver razão para tanto sofrimento. E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar. Partir e aí nessa viajem ressuscitar da morte às arrecuas que me deste. Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe... Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar nota a nota o canto das sereias, lembrar o depois do adeus, e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal, lembrar cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...

Assim mesmo, como entrevi um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o azul dos operários da Lisnave a desfilar, gritando ódio apenas ao vazio, exército de amor e capacetes, assim mesmo na Praça de Londres o soldado lhes falou: Olá camaradas, somos trabalhadores, eles não conseguiram fazer-nos esquecer, aqui está a minha arma para vos servir. Assim mesmo, por detrás das colinas onde o verde está à espera se levantam antiquíssimos rumores, as festas e os suores, os bombos de lava-colhos, assim mesmo senti um dia, a chorar de alegria, de esperança precoce e intranquila, o bater inexorável dos corações produtores, os tambores. De quem é o carvalhal? É nosso! Assim te quero cantar, mar antigo a que regresso. Neste cais está arrimado o barco sonho em que voltei. Neste cais eu encontrei a margem do outro lado, Grandola Vila Morena. Diz lá, valeu a pena a travessia? Valeu pois.

Pela vaga de fundo se sumiu o futuro histórico da minha classe, no fundo deste mar, encontrareis tesouros recuperados, de mim que estou a chegar do lado de lá para ir convosco. Tesouros infindáveis que vos trago de longe e que são vossos, o meu canto e a palavra, o meu sonho é a luz que vem do fim do mundo, dos vossos antepassados que ainda não nasceram. A minha arte é estar aqui convosco e ser-vos alimento e companhia na viagem para estar aqui de vez. Sou português, pequeno burguês de origem, filho de professores primários, artista de variedades, compositor popular, aprendiz de feiticeiro, faltam-me dentes. Sou o Zé Mário Branco, 37 anos, do Porto, muito mais vivo que morto, contai com isto de mim para cantar e para o resto.



publicado por Elisabete às 18:42
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Quarta-feira, 25 de Abril de 2007

25 de Abril de 1974

        

 

25 DE ABRIL DE 1974

o dia em que todas as portas se abriram

 

 

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo.

 

Sophia de Mello Breyner 

 

 

 

 

Considerando que, ao fim de treze anos de luta em terras do Ultramar, o sistema político vigente não conseguiu definir, concreta e objectivamente, uma política ultramarina que conduza à paz entre os Portugueses (...); considerando o crescente clima de total afastamento dos Portugueses em relação às responsabilidades políticas que lhes cabem como cidadãos (...); considerando a necessidade de sanear as instituições, eliminando do nosso sistema de vida todas as ilegitimidades que o abuso do poder tem vindo a legalizar; (...)

O Movimento das Forças Armadas, que acaba de cumprir com êxito a mais importante das missões cívicas dos últimos anos da nossa História, proclama à Nação a sua intenção de levar a cabo, até à sua completa realização, um programa de salvação do país e de restituição ao povo português das liberdades cívicas de que vem sendo privado.

 

Proclamação do MFA, lida às 11 h. de 25 de Abril de 1974,

através da Rádio

 

 

 

 

 

Manhãzinha cedo, senti acordar-me o sopro da voz ciciada de minha mulher: - O Fafe telefonou de Cascais... Lisboa está cercada por tropas. (...) Outro comunicado na Rádio! Vem depressa. Corro e ouço: “Aqui o posto de comando do Movimento das Forças Armadas, que resolveu libertar a Nação das forças que há muito a dominavam. Viva Portugal!” (...) Sinto os olhos a desfazerem-se em lágrimas. Ainda assisti, ainda assisti à morte deste maldito meio século de opressão (...) Abro a janela e apetece-me berrar: acabou-se! (...) Antes de morrer, a Televisão mostrou-me um dos mais belos momentos humanos da História deste povo: a saída dos prisioneiros políticos de Caxias. (...)

E o telefone toca, toca, toca... Juntámos as vozes na mesma alegria. Só é pena que os mortos não nos possam também telefonar: o Bento de Jesus Caraça, o Manuel Mendes, o Casais Monteiro, o Redol (...) e outros, muitos, tantos...

Saio de casa. E uma rapariga que não conheço, que nunca vi na vida, agarra-se a mim aos beijos. Revolução.

 

José Gomes Ferreira, “Poeta Militante”

 

 

 

     

  

 

EU SOU PORTUGUÊS AQUI

 

Eu sou português

aqui

em terra e fome talhado

feito de barro e carvão

rasgado pelo vento norte

amante certo da morte

no silêncio da agressão.

 

Eu sou português

aqui

mas nascido deste lado

do lado de cá da vida

do lado do sofrimento

da miséria repetida

do pé descalço

do vento

 

Nasci

deste lado da cidade

nesta margem

no meio da tempestade

durante o reino do medo.

Sempre a apostar na viagem

quando os frutos amargavam

e o luar sabia a azedo.

 

Eu sou português

aqui

no teatro mentiroso

mas afinal verdadeiro

na finta fácil

no gozo

no sorriso doloroso

no gingar dum marinheiro.

 

Nasci

deste lado da ternura

do coração esfarrapado

eu sou filho da aventura

da anedota

do acaso

campeão do improviso,

trago as mãos sujas do sangue

que empapa a terra que piso.

Eu sou português

aqui

na brilhantina em que embrulho

do alto da minha esquina

a conversa e a borrasca

eu sou filho do sarilho

no gesto desmesurado

nos cordéis do desenrasca.

 

Nasci

aqui

no mês de Abril

quando esqueci

toda a saudade

e comecei a inventar

em cada gesto

a liberdade.

 

Nasci

aqui

ao pé do mar

duma garganta magoada no cantar.

Eu sou a festa

inacabada

quase ausente

eu sou a briga

a luta antiga

renovada

ainda urgente.

 

Eu sou português

aqui

o português sem mestre

mas com jeito.

Eu sou português

aqui

e trago

o mês de Abril

a voar

dentro do peito.

 

                        José Fanha

 

 

 

 

EU VIM DE LONGE...

 

 

 

Quando o avião aqui chegou
Quando o mês de Maio começou
Eu olhei para ti
Então  eu entendi
Foi um sonho mau que já passou
Foi um mau bocado que acabou

Tinha esta viola numa mão
Uma flor vermelha noutra mão
E tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a fronteira me abraçou
Foi esta bagagem que encontrou

[Refrão]


Eu vim de longe
De muito longe
O que eu andei p'ra aqui chegar
Eu vou p'ra longe
P'ra muito longe
Onde nos vamos encontrar
Com o que temos p'ra nos dar

E então olhei à minha volta
Vi tanta esperança andar à solta
Que não hesitei
E os hinos cantei
Foram frutos do meu coração
Feitos de alegria e de paixão

Quando a nossa festa se estragou
E o mês de Novembro se vingou
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
Foi um sonho lindo que acabou
Houve aqui alguém que se enganou

Tinha esta viola numa mão
Coisas começadas noutra mão
E tinha um grande amor
Marcado pela dor
E quando a espingarda se virou
Foi p'ra esta força que apontou.

Quando finalmente eu quis saber
Se ainda vale a pena tanto querer
Eu olhei p'ra ti
E então eu entendi
É um lindo sonho p'ra viver
Quando toda a gente assim quiser

Tenho esta viola numa mão
Tenho minha vida na outra mão
E tenho um grande amor
Marcado pela dor
E sempre que Abril aqui passar
Dou-lhe este farnel prò ajudar

E agora eu olho à minha volta
Vejo tanta raiva andar à solta
Que já não hesito
E os hinos que repito
São a parte que eu posso prever
Do que a minha gente vai fazer

 

 

 

       José Mário Branco

 

 

 

 

 

        

Salgueiro Maia                   Zeca Afonso                    Adriano C. de Oliveira 

 

      

Sophia M. Breyner          Vasco Gonçalves          José Cardoso Pires

 

A TODOS VÓS,

e a tantos outros, agradeço o exemplo, a palavra , a acção,os sonhos. A minha vida, sem qualquer de vós, não teria sido a mesma. Teria sido infinitamente mais pobre, mais cinzenta. Obrigada!

 

QUE O ESPÍRITO DE ABRIL VIVA EM NÓS

PARA SEMPRE!!!

 

publicado por Elisabete às 12:21
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Terça-feira, 24 de Abril de 2007

PROPAGANDA, CENSURA, REPRESSÃO

                        

                Propaganda                                           Prisão (Tarrafal)

 

 

TARRAFAL, campo da morte

Um novo caso de loucura veio ensombrar a pouca boa disposição em que nos podemos encontrar. Casos de destrambelhamento nervoso, resultado do intensíssimo desgaste que esta vida em todos nós opera, vão surgindo. Transtornos do coração aparecem, a juntar-se à verdadeira legião de doenças do fígado que, dia a dia, vão fabricando a permanência neste clima, o paludismo insuficientemente tratado e nunca prevenido, a alimentação inconveniente que aqui temos. (...) Por outro lado, a existência de trabalhos pesados (...) exigindo um esforço físico considerável (boa porção dele à torreira do sol) durante a estação dos calores, das chuvas e das febres, tem sido e ainda é outro factor que vem agravar a situação.

(...) É bastante grande o número de presos que aqui se encontram contra as determinações da lei. (...) Dos 226 presos que aqui se encontram, 127 (56% do total) estão numa situação inteiramente ilegal. Destes, 72 (31% dos presos) não foram julgados, apesar de se encontrarem detidos há longos anos (...). Cinquenta e cinco (24% do total) terminaram as penas, a maior parte há vários anos a quantidade de tempo, em excesso de pena, cumprida pelos presos totaliza mais de duas centenas de anos).

Exposição apresentada pelos presos ao director da Colónia Penal do Tarrafal em

Maio de 1944, in  "Tarrafal, Testemunhos", Lisboa, 1978

 

 

A REPRESSÃO POLICIAL

Fui preso pela Pide (...) às 7 horas da manhã. (...) À noite, chamaram-me para um primeiro interrogatório e depois levaram-me para Caxias. (...) No segundo dia, entrou na sala o agente Santos Costa, por volta das 21 horas e, sem me fazer qualquer pergunta, puxa por um chicote e espanca-me com raiva (...) Quando parava dizia-me(...): "Só tens uma forma de saíres daqui sem falar - é sair num caixão" Durante a noite entrou um pide com aspecto de 18 anos, aos gritos, chamando-me nomes e dizendo que eu tinha de falar, senão rebentava comigo (...) No dia 22 foi mais ou menos igual, ora espancado pelo Santos Costa, ora pelo pide pequeno. Na noite desse dia, entrou o Santos Costa com o Martins e o Mortágua, e outro indivíduo com um aspecto horrível, cuja idade deve andar pelos 60 anos, de óculos, baixo, cabelo meio grisalho, dentes saídos - um aspecto repelente. Este polícia dizia-me que devia falar, porque eu não era mais do que "uma lesma a lutar contra um carro de combate." (...) Obrigaram-me a estar nove dias e oito noites consecutivas sem dormir.

Depoimento de José Lopes Freire, citado no livro "Presos Políticos", da Comissão Nacional

de Socorro aos Presos Políticos (1972)

 

A DISCRIMINAÇÃO POLÍTICA

1. O pedido de informação à PIDE:

 

Ex.mo Senhor Director da Polícia Internacional e de Defesa do Estado. Para fins convenientes, tenho a honra de solicitar a V. Ex.ª se digne providenciar no sentido de ser prestada informação, tanto quanto possível pormenorizada e urgente, acerca do candidato ao concurso para boletineiro supranumerário dos CTT, António Vinagre Azevedo (...) A Bem da Nação. Secretaria-Geral da Presidência do Conselho, em 7 de Agosto de 1960. O Secretário-Geral.

 

2. A informação da PIDE:

 

Ex.mo Senhor Secretário-Geral da Presidência do Conselho. Em referência ao ofício confidencial de V. Ex.ª n.º 3296/60, de 7 do mês em curso, tenho a honra de informar que António Vinagre Azevedo desenvolveu grande actividade a favor dos candidatos da oposição, durante a última campanha eleitoral para a Presidência da República (...) alinhando ao lado dos colaboradores do General Humberto Delgado (...) A Bem da Nação. Lisboa, 31 de Agosto de 1960. O Director Interino.

 

Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista,

"Discriminação Política no Emprego", 1982

 

 

 

 

publicado por Elisabete às 18:06
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Segunda-feira, 23 de Abril de 2007

GUERRA

                          

                                        Guerra Colonial Portuguesa 

 

 

 

MENINA DOS OLHOS TRISTES

 

 

Menina dos olhos tristes,

O que tanto a faz chorar?

- O soldadinho não volta

Do outro lado lado do mar.

 

Senhora de olhos cansados,

Por que a fatiga o tear?

- O soldadinho não volta

Do outro lado lado do mar.

 

Vamos, senhor pensativo,

Olhe o cachimbo a apagar.

- O soldadinho não volta

Do outro lado lado do mar.

 

Anda bem triste o amigo,

Uma carta o fez chorar.

- O soldadinho não volta

Do outro lado lado do mar.

 

A Lua, que é viajante,

É que nos pode informar.

- O soldadinho não volta

Do outro lado lado do mar.

 

O soldadinho já volta

Está quase mesmo a chegar.

Vem numa caixa de pinho.

Desta vez o soldadinho

Nunca mais se faz ao mar.

 

                      Reinaldo Ferreira

 

                      

publicado por Elisabete às 18:34
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Domingo, 22 de Abril de 2007

DESTERRO

Soares dos Reis, "O DESTERRADO"

 

  

           TROVA DO VENTO QUE PASSA  

 

                                             

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

 

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

  

[Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

 

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.

 

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

 

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

 

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

 

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

 

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

 

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

 

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

 

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

 

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.]

 

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

 

        Mesmo na noite mais triste
        em tempo de servidão
        há sempre alguém que resiste
        há sempre alguém que diz não.

 

 

                                                               MANUEL ALEGRE

publicado por Elisabete às 17:52
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Sábado, 21 de Abril de 2007

PAPOILAS

                 CLAUDE MONET, "Papoilas"

 

 

 

 

DE TARDE

  

Naquele “pic-nic” de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.

  

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas. 

 

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos
E pão-de-ló molhado em malvasia.

 

Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda:
O ramalhete rubro das papoulas!

 

CESÁRIO  VERDE

 

 

 

Cesário Verde - Retrato por Columbano Bordalo Pinheiro.        Retrato de Claude Monet fotografado por Nadar em 1899. 

CESÁRIO VERDE                                    CLAUDE MONET

  Poeta português (1855-1886)                 Pintor francês (1840 - 1926)  

 

 

publicado por Elisabete às 19:12
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Sexta-feira, 20 de Abril de 2007

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS

 

Saddam barbeado após sua captura por forças norte-americanas.

 

Saddam  Hussein foi formalmente acusado de genocídio cometido em 1982, por ter ordenado a execução de 148 iraquianos xiitas em Dujail, depois de ter sido alvo de um atentado fracassado. 

Depois da invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas e inglesas, em 5 de Novembro de 2006, após um julgamento conturbado, o tribunal iraquiano condenou Saddam à pena de morte, por enforcamento, por crimes contra a humanidade. 

 Foi enforcado no início do dia 30 de Dezembro, sábado, em Bagdad. 

 

 

 

George W. Bush

 

George W. Bush acusa o governo iraquiano de ter ligações a grupos terroristas e de estar a fabricar armas de destruição em massa. Mesmo sem o acordo do Conselho de Segurança das Nações Unidas, a guerra foi desencadeada em Março de 2003. Sabe-se, hoje, que as acusações não foram mais do que um pretexto para a invasão do Iraque.

 

Balanço provisório: milhares de mortos, um país destruído e sem solução à vista.

 

QUANDO  VAI  SER  JULGADO  ESTE  HOMEM?

 

 

publicado por Elisabete às 21:18
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PINTURA EUROPEIA

VINCENT VAN GOGH

(Holandês - 1853/1890)

"Os Girassóis", uma de suas obras mais conhecidas

"Os Girassóis"

 

 

ÉDOUARD MANET

(Francês - 1832/1883)

"Olympia"

"Olympia"

 

 

PABLO PICASSO

(Espanhol - 1881/1973)

"OS APAIXONADOS"

JOSÉ MALHOA

(Português - 1865/1933)

O Fado, 1910.

"O FADO"

publicado por Elisabete às 19:02
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Quinta-feira, 19 de Abril de 2007

FERNANDO PESSOA

[...]

Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei.

Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?

[...]

 

                            Álvaro de Campos [1](heterónimo de Fernando Pessoa)

 

 

 

               

                                                                          por Almada Negreiros

 

NOTA BIOGRÁFICA (escrita pelo próprio Fernando Pessoa)

 

 

Nome completo: Fernando António Nogueira Pessoa

Idade e naturalidade: Nasceu em Lisboa, freguesia dos Mártires, no prédio n.º 4 do Largo de S. Carlos (hoje do Directório), em 13 de Junho de 1888.

Filiação: Filho legítimo de Joaquim de Seabra Pessoa e de D. Maria Madalena Pinheiro Nogueira. Neto paterno do general Joaquim António de Araújo Pessoa, combatente das campanhas liberais, e de D. Dionísia Seabra; neto materno do conselheiro Luís António Nogueira, jurisconsulto, e que foi director-geral do Ministério do Reino, e de D. Madalena Xavier Pinheiro. Ascendência geral – misto de fidalgos e judeus.

Profissão: A designação mais próxima será “tradutor”, a mais exacta de “correspondente estrangeiro em casas comerciais”. O ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação.

Funções sociais que tem desempenhado: Se por isso se entende cargos públicos, ou funções de destaque, nenhumas.

Obras que tem publicado: A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações. O que, de livros ou folhetos, considera como válido, é o seguinte: 35 Sonnets (em inglês), 1918; English Poems I-II e English Poems III (em inglês também), 1922, e o livro Mensagem, 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional, na categoria “Poemas”.

Educação: Em virtude de, falecido seu pai em 1893, sua mãe ter casado, em 1895, em segundas núpcias, com o comandante João Miguel Rosa, cônsul de Portugal em Durban, Natal [África do Sul], foi ali educado. Ganhou o Prémio Rainha Vitória de estilo inglês na Universidade do Cabo da Boa Esperança em 1903, no exame de admissão, aos 15 anos.

Ideologia política: Considera que o sistema monárquico seria o mais próprio para uma nação organicamente imperial como é Portugal. Considera, ao mesmo tempo, a Monarquia completamente inviável em Portugal. Por isso, a haver um plebiscito entre regimes votaria, embora com pena, pela República. Conservador de estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reaccionário.

Posição religiosa: Cristão gnóstico, e portanto inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, e sobretudo à Igreja de Roma. Fiel, por motivos que mais adiante estão explícitos, à Tradição Secreta do Cristianismo, que tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria.

Posição iniciática: .....................................................................................

....................................................................................................................

Posição patriótica: Partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católica-romana, criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez espiritualidade. Nacionalista que se guia por este lema: “Tudo pela Humanidade; nada contra a Nação.”

Posição social: Anticomunista e anti-socialista. O mais deduz-se do que vai dito acima.

Resumo destas últimas considerações: Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, grão-mestre dos Templários, combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos – a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

 

Lisboa, 30 de Março de 1935.

 

 

Quantos eus em cada um de nós? - LUAR DE JANEIRO


[1] Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890, às 1,30 da tarde. É engenheiro naval (por Glasgow) e viajou muito pelo Oriente e Europa, vivendo principalmente na Escócia. É alto (1,75 m.), magro e um pouco tendente a curvar-se (extraído de carta de F. Pessoa a Adolfo Casais Monteiro).

publicado por Elisabete às 22:06
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Quarta-feira, 18 de Abril de 2007

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

Romancista, nasceu em Lisboa, no dia 1 de Setembro de 1942. Proveniente de uma família da grande burguesia portuguesa, licenciou-se em Medicina, com especialização em Psiquiatria. Exerceu a profissão no Hospital Miguel Bombarda em Lisboa, dedicando-se  desde 1985 exclusivamente à escrita.

        

 

 

  “ ... ser totalmente compreendido é impossível.”

Baptista-Bastos, O Cavalo a Tinta-da-China

 

Acabei, há dias, a leitura de “ONTEM NÃO TE VI EM BABILÓNIA” de António Lobo Antunes. Costumo ler os seus livros e gosto. Não sou crítica literária e não tenho a ousadia de pensar que o compreendo. No entanto, por mais amarga que pareça a sua escrita, ela parece-me profundamente humana, porque fala do que existe dentro de nós todos, porque vai ao fundo de cada um de nós. As suas personagens são assombradas, a cada passo, pelas memórias do passado. Reflectem a angústia de quem não pode esquecer situações dolorosas e perdas e, por isso, procuram uma certa frieza como protecção. São pessoas solitárias incapazes de comunicar afectivamente com os outros. Negam a necessidade evidente de ternura. Suspendem as palavras e os gestos     carinhosos, evitam a aproximação desejada.  Há nelas a impossibilidade de encontro com o outro, uma espécie de pudor que as retém.

As palavras do Autor:

 

“...a que me espera em Lisboa uma filha, dei-lhe a boneca numa embalagem com um laço e afastei-me o mais depressa que pude antes que agradecesse, nunca a beijei nem dei a entender que consentia beijos, não pedi

- Anda cá

apesar de me apetecer pedir, mesmo que fosse uma única vez

- Anda cá

escapando a essa parvoíce a que chamam ternura, que me importa a ternura, para que iria servir-se [...] num buraco qualquer desde que livre da maçada de um filho a quem seria necessário passear pela mão, consolar, garantir

- Estou aqui

quando julgam que perderam e não nos ganharam nunca, assistirmos a uma criança a crescer tornando-se tão amarga quanto nós que esquisito, não me arrependo de não haver pedido

- Anda cá”

 

“interrogo-me se a companhia de um filho me açucarava a velhice”

 

“(porque não tive um filho, um amigo, um colega, uma criatura em que pudesse confiar e confiasse em mim?)”

 

  Em 9 de Novembro de 2004, dizia em entrevista ao DN:

 

“Não fomos feitos para a morte, a não ser para a morte voluntária. A involuntária sempre me pareceu uma tremenda injustiça, para não falar em crueldade.”

 

2007 – Recebeu o Prémio Camões e foi-lhe diagnosticado um cancro. Foi operado e acredito que vai vencer esta batalha. Nós precisamos de continuar a ter por perto o escritor fabuloso que afirma: “Temos uma Língua espantosa. Cada vez me seria mais difícil viver longe de Portugal. Gosto muito do meu país.” Eu também! E, António, também gosto muito de si!

  

publicado por Elisabete às 21:53
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Segunda-feira, 16 de Abril de 2007

PORTO SANTO

 A ILHA DOURADA

Embora as ilhas do Arquipélago da Madeira apareçam representadas em mapas do século XIV, só em 1419 (Porto Santo) e 1420 (Madeira) os navegadores portugueses João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrelo fazem a sua redescoberta, com vista a um posterior povoamento, uma vez que eram desabitadas. O Infante D. Henrique, o “senhor das ilhas”, doou a ilha de Porto Santo ao capitão-donatário Bartolomeu Perestrelo que, entre os vastos poderes que lhe foram atribuídos, administrava a justiça, cobrava impostos e distribuía terras aos povoadores portugueses que quisessem explorá-las.

Assim começa a História desta pequena ilha que acabei de visitar e que foi, para mim, uma agradável surpresa.

        

    Praia                                    Pico do Castelo                       Vila Baleira

 

 

            

      Pedreira (Piano)                     Pico de Ana Ferreira                Fonte da Areia

 

 

       

Ilhéu de Baixo ou da Cal       Ilhéu de Cima ou do        Casa de Salão  

                        (tem minas de calcário)                          Farol

 

Desde logo, o que mais me impressionou foi o relevo. A ilha é bastante montanhosa e isso confere à paisagem uma certa beleza agreste, para a qual também contribuem os ilhéus que a circundam. Por outro lado... as várias tonalidades de azul e verde do mar e 9 km de praia de areia dourada. Aquecida pelo sol, ou por outros meios, esta areia é usada no tratamento de doenças dos ossos e diz-se, até, que da psoríase.

Chove pouco, em Porto Santo, e a cobertura vegetal é escassa. No entanto, a partir dum projecto de António Schiappa de Azevedo, vai-se fazendo a reflorestação da ilha, apostando na diversificação das espécies. Entre elas, o autóctone dragoeiro e o importado cedro do Líbano vão embelezando a pequena ilha. Toda a água da rede pública provém da dessanilização da água do mar.

 

       Um cedro-do-líbano plantado nos Longwood Gardens

            Dragoeiro                                                       Cedro do Líbano

No Verão, com os muitos turistas, não sei como é Porto Santo. Na Primavera, o ambiente é tranquilo e convida à reflexão, ao relaxamento e à paz de espírito. Sentada na varanda do meu quarto de hotel, ao pôr-do-sol, com as montanhas à direita e o mar à esquerda, purificava a alma seguindo as cabriolas dos coelhos bravos que cavaram as suas luras  por debaixo das moitas do terreno ao lado do hotel, situado na Ponta do Cabeço. Convenhamos que não é vulgar esta mistura!...

                                                         Coelho bravo

 

                

       Moinho                               Casa de Colombo                      Um sonho?

 

A única cidade da ilha é Vila Baleira, onde se encontram os principais estabelecimentos de comércio e o centro histórico, com a Igreja Matriz (ou de Nossa Senhora da Piedade) e a Casa de Colombo (Museu de Porto Santo), onde teria vivido o descobridor da América, que foi casado com uma filha de Bartolomeu Perestrelo. 

No sopé do Pico do Castelo, situa-se a Camacha, que alberga o Museu do Cardina, museu etnológico dedicado aos ofícios e costumes da ilha.

Típicos de Porto Santo são, ainda, os moinhos e as “casas de salão”, exemplo da arquitectura tradicional  e assim chamadas por terem os telhados cobertos de salão (espécie de barro de composição arenosa). Ainda se encontram algumas, na Serra de Fora, incentivando-se a sua reconstrução.

Quem estiver no Porto Santo pode dar um salto à ilha da Madeira. Há dois voos diários e ligação por mar, também duas vezes por dia, através do ferry-boat “Lobo Marinho”.

É obrigatório, também, passar pelo Bar do João do Cabeço e saborear, no alpendre, as lapas grelhadas e o bolo do caco com manteiga de alho. E que tal o bolo de mel caseiro de Porto Santo, bem temperado com especiarias e acompanhado dum cálice de poncha?

Por tudo isto, vale a pena visitar a ilha dourada de Porto Santo.

publicado por Elisabete às 21:53
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Sábado, 14 de Abril de 2007

FRANCESCO ALBERONI

Francesco Alberoni (Professor de Sociologia na Universidade de Milão)
 
 
     "Se a vida é um tumulto, desordem, concorrência, a moral não pode ser uma linha recta. Será dividida, adaptar-se-á às exigências da vida, será, pois, uma busca de coerência tanto mais difícil, mas também tanto mais meritória, quanto mais a existência é rica e grandes as dilacerações."
     "Nenhum conhecimento poderá alguma vez substituir a alma boa, que é a única capaz de misericórdia, de compreensão profunda do coração humano."
     "Não confiemos à Moral a tarefa de 'combater' o mal, mas a tarefa mais elevada de 'ser' amor e bondade!"
Alberoni, "Valores"
publicado por Elisabete às 20:52
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Quinta-feira, 5 de Abril de 2007

J. W. Goethe

'Goethe in der Campagna', pintura de Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, de 1787, surgida da amizade entre o pintor e o poeta durante sua estádia na Itália

           

'Goethe in der Campagna', pintura de Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, de 1787, surgida da amizade entre o pintor e o poeta durante sua estadia na Itália

 

 

 

"Princípios gerais e grande arrogância estão sempre a caminho de enormes desgraças."

J. W. Goethe, escritor alemão (1749-1832)

 

Seria bom que o nosso Primeiro-Ministro refectisse sobre esta afirmação de Goethe. É que as desgraças já estão à vista... Até onde os Portugueses vão deixar que elas cheguem?

 

 

 

publicado por Elisabete às 20:58
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Terça-feira, 3 de Abril de 2007

OS LIVROS e VERGÍLIO FERREIRA

  

    (1916-1997)

 

“Importam-me os livros que desenvolvam o que sou. Não os que me acrescentem o saber, mas os que me acrescentem a mim. Quantas coisas ignoramos que somos, apenas porque o embrião disso se nos não desenvolveu até ser visível. Um livro que me acrescente, não que se me acrescente. O que acumulei é muito. O que fui é muito pouco.

 

VERGÍLIO FERREIRA, “Pensar”

 

publicado por Elisabete às 21:23
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Segunda-feira, 2 de Abril de 2007

MIGUEL TORGA

            Retrato de Miguel Torga

ADOLFO CORREIA DA ROCHA(1907 - 1995)

 

DEPOIMENTO

 

Foi na vida real como nos sonhos:

Nunca pisei um chão de segurança.

Procuro na lembrança

Um sólido caminho percorrido,

E vejo sempre um barco sacudido

Pelas ondas raivosas do destino.

Um barco inconsciente de menino,

Um barco temerário de rapaz,

E um barco de homem, que já não domino,

Entre os rochedos onde se desfaz.

 

Mas o céu era belo

Quando à noite o seu dono o acendia;

E era belo o sorriso da poesia,

E belo o amor, dragão insatisfeito;

E era belo não ter dentro do peito

Nem medo, nem remorso, nem vaidade.

Por isso digo que valeu a pena

A dura realidade

Desta viagem trágico-terrena

Sempre batida pela tempestade.

 

               MIGUEL TORGA, “Orfeu Rebelde”

publicado por Elisabete às 22:15
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Domingo, 1 de Abril de 2007

RANCOR, CULPABILIDADE E PERDÃO

Alquimia da Dor III

 

 

                                         

 

 

Nenhum de nós fica indiferente às ofensas, mais ou menos graves, que nos possam fazer. Há pessoas incapazes de esquecer, mesmo as mais insignificantes, ficando prisioneiras de ressentimentos, de ódios e de desejos de vingança. A sua vida fica envenenada por esses sentimentos que, mais do que prejudicar aqueles a que se dirigem, fazem muito mal a elas próprias.

Há ofensas a que não devemos dar qualquer importância. Se alguém nos desconsidera, faz um comentário maldoso a nosso respeito ou tenta prejudicar-nos, a atitude que devemos tomar é a de não nos deixarmos magoar por isso. A melhor, e mais saudável, forma de nos vingarmos é não permitir que o mal que nos foi feito nos atormente. Costumo dizer que as más acções ficam mal a quem as pratica e não às vítimas delas.

Concordo que, por vezes, as coisas não são tão fáceis de resolver. Há situações em que a dor provocada é excessiva, imensa... Não somos santos e, facilmente, podemos perder o controlo. É natural, de início, que a mágoa nos impeça de avaliar com clareza a situação. Acho desculpável os excessos que então se cometem. No entanto... o tempo vai passando e, se somos bem formados, vamos compreendendo que quem nos magoou talvez  não tivesse alternativa, talvez não estivesse na sua mão poupar-nos o desgosto. Esta compreensão tira-nos um peso enorme dos ombros. “Na verdade, se não conseguirmos perdoar, não conseguiremos libertar-nos do ressentimento, não abriremos mão do passado e prolongaremos o sofrimento inutilmente”.

“Enquanto o rancor é o ressentimento contra os outros, a culpabilidade é o ressentimento contra nós próprios, a incapacidade de abrirmos mão do que fizemos e de nos perdoarmos”.

“Quando sofremos, cometemos actos que não imaginaríamos ser capazes de cometer, sementes de sofrimento futuro para nós e para os outros. Por isso, todos merecemos compaixão e todos somos dignos de ser perdoados”.

“Tal como o rancor, a culpa é um factor de sofrimento desnecessário. Embora seja muito importante reconhecermos os erros que cometemos, arrependermo-nos e tomarmos a firme decisão de não voltar a cometê-los, cultivar o sentimento de culpa impede-nos de viver e, até, de mudar de atitude. Seja o que for que nos tenha acontecido, seja o que for que tenhamos feito, é importante compreendermos o que se passou, abrirmos mão disso e perdoarmos.”

 

 

              

 

   

 LUAR DE JANEIRO

 

 

publicado por Elisabete às 21:27
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