Sábado, 31 de Janeiro de 2009
Os cidadãos – dizia Locke – têm direitos individuais e invioláveis perante os quais qualquer poder é obrigado a deter-se, mesmo o poder legítimo. Os filósofos que renovaram as reflexões sobre os direitos dizem-nos que cada indivíduo tem o seu “espaço moral” dentro do qual é livre de escolher. A finalidade da política é, então, a de defender estes limites contra as invasões por parte dos outros indivíduos mas, sobretudo, por parte do Estado. O conceito de direito foi elaborado sobretudo como defesa contra o Estado totalitário, mas hoje tornou-se importante também como defesa contra a burocracia. Até mesmo o desenvolvimento do Estado social, que assiste aos cidadãos, criou, de facto, novos perigos. O Estado, para satisfazer as suas necessidades, agigantou a burocracia. E esta limita-os, classifica-os, escolhe-os. Domina a sua vida, interfere na sua biografia pessoal. O indivíduo fica diminuído. E nós sabemos que, se se suprimir o indivíduo, suprime-se a moral.
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Quem olha o direito isolando-o da moral, como se fosse auto-suficiente, não apenas tira valor à moral, mas debilita o papel do direito como intérprete da vida moral colectiva.
Francesco Alberoni/Salvatore Veca,
O Altruísmo e a Moral
Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2009
Exposição I Walk the Line, no Teatro Municipal da Guarda
OS OLHOS PERPLEXOS
No tempo do espectáculo superficial e inconsequente, Paulo Moreira fixa o frenesi do circo. Grava os cómicos, no movimento gelado. Porque a lúcida arte de Moreira surpreende a mímica dos mudos e combina-a, admiravelmente: amarra-a ao que, logo à partida, os amarrara –a vacuidade.
O universo deste artista é um universo de almas mortas ou de figuras adormecidas? De inocentes sacrificados? Correm, à beira do desastre, tentam escapar-lhe. Autómatos ou mártires? Fugitivos? Suicidas? Qual a razão, qual o caminho?
Monta-se a grande festa da aflição. Mas, quando se esconde o medo, acontece, sempre, a poesia. Os órfãos são amáveis. A ironia impiedosa e fraterna de Paulo Moreira (as contradições) desmascara-nos. Eis-nos todos, no teatro da vida. Devolve-nos as imagens da comédia.
Ou as imagens do Paraíso Perdido? Abraçadas na solidão, as personagens do pintor reclamam felicidade. Esbracejam e, às vezes, muitas, magoam-se e não conseguem ir além de onde estavam. Vibram, no entanto. Os desorientados consumistas é assim que se consumem. Dançam entre canibais e autofagia –que é o mal dos desesperados.
A candura dos actores desse drama quotidiano engendra a perplexidade. Aquelas pessoas, desassossegadas criaturas de Deus, tentam sobreviver e, afinal, entregam-se ao abismo de onde nunca se volta? Aceitam entrar na barca em festa de Caronte ou na Disneylândia, ansiosos e cansados de si?
Manuel Poppe
Terça-feira, 27 de Janeiro de 2009
[…] O Céu era reservado aos membros da Igreja Anglicana. Eu considerava uma grande mercê de Deus ter sido criado nessa religião. Era tão maravilhoso como ter nascido inglês.
Mas, quando fui para a Alemanha, descobri que os alemães se sentiam tão orgulhosos de ser alemães como eu de ser inglês. Ouvia-os dizer que os ingleses não entendiam de música e que Shakespeare só era apreciado na Alemanha. Referiam-se aos ingleses como a um povo de comerciantes e não tinham dúvidas de que, como artistas, cientistas e filósofos, eram muitíssimo superiores. Isso chocou-me. E agora, na missa cantada de Heidelberga, não podia deixar de ver que os estudantes, que enchiam as portas, pareciam muito devotos. Tinham, na verdade, a aparência de acreditar na sua religião tão sinceramente como eu acreditava na minha. Era curioso que assim pudessem fazer, pois evidentemente eu sabia que a deles era falsa e a minha verdadeira. […] Ocorreu-me que eu poderia muito bem ter nascido na Alemanha Meridional e, então, seria naturalmente criado como católico. Achei duro que, assim, por uma culpa que não era minha, fosse eu condenado aos suplícios eternos. A minha ingénua natureza revoltava-se com a injustiça. O segundo passo foi fácil: cheguei à conclusão de que não importava patavina aquilo em que se acreditava. Deus não podia condenar os homens só porque eram espanhóis ou hotentotes. […]
William Somerset Maugham
Exame de Consciência
[1874-1965]
E se eu tivesse nascido em Zaranj?...
Segunda-feira, 26 de Janeiro de 2009
Um grito que deu voz e pão de poesia a gente muda e faminta.
José Saramago
Há 25 anos (18 de Janeiro de 1984), morre em Lisboa, na Rua da Saudade, o poeta José Carlos Ary dos Santos. Tinha 46 anos.
Soneto de Mal Amar
Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.
A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.
E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.
Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.
O Poema Original
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
Segunda-feira, 19 de Janeiro de 2009
TODOS À CONCENTRAÇÃO/MANIFESTAÇÃO
DE 24 DE JANEIRO
EM FRENTE DO PALÁCIO DE BELÉM
Hoje estamos em greve, porque as nossas exigências são justas e porque não queremos aceitar as pressões, as chantagens pelo medo e os pequenos subornos com que o Governo pretende dividir e amedrontar os professores.
Hoje estamos em greve, porque a nossa dignidade individual e profissional não está à venda.
MAS A NOSSA LUTA NÃO PODE PARAR AQUI.
NO DIA 24 DE JANEIRO VAMOS TODOS A BELÉM
para que os portugueses percebam que a luta dos professores é uma causa de toda a sociedade, e não apenas de um grupo socioprofissional, e para que todos os poderes e responsáveis pelo país – sejam o Presidente da República, o Governo, a Assembleia da República – saibam ouvir a indignação e o descontentamento dos professores face aos ataques que têm minado a Escola Pública e as suas condições de trabalho.
APEDE (Associação de Professores e Educadores em Defesa do Ensino)
CDEP (Comissão em Defesa da Escola Pública)
MEP (Movimento Escola Pública)
MUP (Movimento de Mobilização e Unidade dos Professores)
PROMOVA (Movimento de Valorização dos Professores)
A UNIÃO FAZ A FORÇA
Domingo, 18 de Janeiro de 2009
GREVE: uma pequena batalha para vencer a grande guerra
19 DE JANEIRO GREVE PELO FUTURO... LUTA AGORA! |
Quarta-feira, 14 de Janeiro de 2009
UNIR e RESISTIR
GREVE NACIONAL
19 de Janeiro
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MANIFESTAÇÃO/CONCENTRAÇÃO
PALÁCIO DE BELÉM
LISBOA
24 de Janeiro 2009
14:30H
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Terça-feira, 13 de Janeiro de 2009
A FORÇA DA RAZÃO
Nunca se esqueça de que se encontra sempre algo de muito especial em fazer uma coisa que tem algum significado. O que tira a genica a um homem é fazer um trabalho que não conduz a nada. O nosso é lento, mas é todo feito numa direcção.
John Steinbeck, Batalha Incerta
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Acabo de ler estas palavras. Sem qualquer esforço, regressou à minha consciência a luta que, hoje, travam os Professores.
Quando comecei a dar aulas, estava cheia de ilusões. Achava que o meu trabalho, completando o de outros, perseguia o objectivo mais nobre de todos: acender as luzes da razão nas cabecinhas dos jovens do meu país e contribuir, assim, para a sua formação como cidadãos e indivíduos capazes de gerir conscientemente a sua vida e de contribuir para o desenvolvimento do país, conquistando assim um pouco mais de felicidade.
À medida que foram surgindo reformas e mais reformas do Ensino; papéis e mais papéis para preencher (o trabalho lectivo foi sufocado por trabalho burocrático, de secretaria); estatísticas forçadas de sucesso; indisciplina e desrespeito pela função docente; teorias, sem pés nem cabeça, fabricadas por iluminados que não gostam de dar aulas; etc., etc., etc., comecei a sentir que o meu trabalho não conduzia a nada, ou a muito pouco, o que fazia de mim uma profissional insatisfeita, desiludida, infeliz. A ausência de significado tira a genica…
Tentei, sempre e de todas as formas ao meu dispor, contribuir para alterar este estado de coisas. Infelizmente, a cada mudança de Ministro, as coisas quase sempre pioravam. Os interesses instalados à volta Ministério são demasiado fortes: muita gente que, não querendo voltar às Escolas, tem de “mostrar serviço” e, então, é só produzir despachos e decretos, teorias (muitas vezes, mal copiadas do estrangeiro) e experiências que não são devidamente avaliadas e que, portanto, não servem para nada. Melhor, servem para contribuir para a ruína.
Cheguei a um ponto em que só tinha um objectivo: a reforma. É essa a situação em que me encontro e nunca me arrependi de me vir embora, apesar de muito penalizada pelas medidas das últimas ministras.
Hoje, face à luta travada nas Escolas, tenho pena de não me encontrar no activo. Pela primeira vez, vejo os Professores unidos e determinados a fazer ouvir a sua voz. Uma voz que exige condições de trabalho e o reconhecimento da dignidade da função docente, mas também uma Escola Pública de qualidade.
Estou orgulhosa dos meus colegas e solidária com a sua luta. Tudo faz sentido quando se caminha na mesma direcção. Não há nada capaz de vencer quem se mantém unido na certeza de ter razão.
Resistir! Persistir!
Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2009
HERBERTO HELDER
Sobre um poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Hélder
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O Artesão Herberto
1. “O trabalhador é digno do seu alimento”; e, noutro lugar: “aquele que toma o arado e olha para trás não serve para o reino de Deus”. Isto disse o Menino Jesus quando cresceu e vem, por esta ordem, nos evangelhos de Mateus e Lucas. “Será que Deus não consegue compreender a linguagem do artesão?”, interroga, porém, Herberto Helder, no primeiro dos poemas que acompanham “Lapinha do Caseiro” (Assírio & Alvim). O belo livro reproduz obras de um artista encantador, Francisco Ferreira, madeirense do século XIX, cuja criatividade o manteve miraculosamente vivo. Nasceu em 1848 e faleceu no ano de 1931. A obra legada salvou-o da infausta morte: ele regressa e impõe-se, graças aos barros pintados, que Ricardo Jardim fotografou. “...A substância de um homem e de uma estrela; a mesma./ O poder de criar a canção, isso”, continua Helder e aponta “a terra que se mistura com o sangue sob as unhas”. Discursa sobre os estupendos trabalhos de Francisco Ferreira, afinal, seu bisavô. E, alertados pelo poeta, sucede levarem-nos, luminosos e frágeis, à interrogação: Deus ouve-nos, de facto? Vê-nos? Interessamo-lo, sequer?
2. “... crua artesania, e ouço na rádio Bach, meu Deus, e Haendel (...) o mundo é um caos sumptuoso –este é o segredo:/ música, e eu estou bêbado e é tão amargo o tempo,/ tão irrevocável” –sempre Helder, o artesão genial, que procura, como o bisavô, outra maneira. Acompanho a sua poesia, desde “O Amor em Visita” (1958); de “Os Passos em Volta” (1963), onde li: “Precisamos é de ser simples; partir, beber, arranjar companheiros na Malásia, na Turquia, na China.” O que fez o poeta, na esperança de surpreender os deuses.
Manuel Poppe, O Outro Lado
Jornal de Notícias [11.Jan.2009]
Quem se lembra?
Canção do Regresso
Volto de mãos vazias
Sem ter nada do que quis
Para morrer bastam dois palmos
De terra no meu país (bis)
Volto como quem chora
Por um filho que perdeu
Para morrer na mesma cama
Em que a minha mãe morreu (bis)
Pobre de quem regressa
Ao jardim e acha um deserto
Já perdeu o que está longe
Já não tem o que está perto (bis)
in Canções do Mar e da Vida
Autor: Luiz Goes
Outros responsáveis: Leonel Neves; João Bagão; Afonso de Sousa; António Toscano; Edmundo Bettencourt; Armando Goes; Aires Máximo de Aguillar; Fernando Neto; João Gomes; Fernando Neves
Domingo, 11 de Janeiro de 2009
O que importa...
Quando analiso a conquistada fama
Quando analiso
a conquistada fama dos heróis
e as vitórias dos grandes generais,
não sinto inveja desses generais
nem do presidente na presidência
nem do rico na sua vistosa mansão;
mas quando eu ouço falar
do entendimento fraterno entre dois amantes,
de como tudo se passou com eles,
de como juntos passaram a vida
através do perigo, do ódio, sem mudança
por longo e longo tempo atravessando
a juventude e a meia-idade e a velhice
sem titubeios, de como leais
e afeiçoados se mantiveram
— aí então é que eu me ponho pensativo
e saio de perto à pressa
com a mais amarga inveja.
Walt Whitman, in "Leaves of Grass"
Quinta-feira, 8 de Janeiro de 2009
Falar politicamente incorrecto...
Sábado, 3 de Janeiro de 2009
Porque se esquecem as lições da História...
[...] A minha vida inteira tem sido uma confusão, uma desordem. A deles não. Eles trabalham para qualquer coisa, com um fim, e eu também quero trabalhar para qualquer coisa. Sinto-me morto. Pensei que talvez pudesse volter a viver.
[...]
- Está a acordar, Jim, está com melhor cara! Mas não imagina no que se vai meter. Poderia informá-lo, mas isso não serve de nada enquanto não passamos pelas coisas.
- Já alguma vez teve um emprego em que, quando adquiria prática suficiente para ser aumentado, era despedido e substituído por outro? Já alguma vez trabalhou nalgum lado em que falassem de lealdade para com a firma, lealdade que significava espiar as pessoas que o cercavam? Com mil raios, não tenho nada a perder!
- Nada, excepto ódio - disse Harry, calmamente. - Ficará surpreendido quando verificar que deixou de odiar as pessoas. Não sei porque é, mas costuma acontecer isso.
John Steinbeck, Batalha Incerta
Sexta-feira, 2 de Janeiro de 2009
Tão simples como isto...
[...] a ideia que lhe martelava a cabeça era a da rentabilização do pessoal e a racionalização de recursos.
A forma eufemística de dizer que iam despedir pessoas. Criar desemprego para criar riqueza, criar pobreza para enriquecer, o sólido princípio da economia contemporânea.
João Aguiar, O Priorado do Cifrão