Segunda-feira, 28 de Setembro de 2009
D. Quixote foi-se embora
Acende mais um cigarro, irmão
inventa alguma paz interior
esconde essas sombras no teu olhar
tenta mexer-te com mais vigor
abre o teu saco de recordações
e guarda só o essencial
o mundo nunca deixou de mudar
mas lá no fundo é sempre igual.
E agora, que a lua escureceu
e a guitarra se partiu
D. Quixote foi-se embora
com o amigo que a tudo assistiu
as cores do teu arco-íris
estão todas a desbotar
e o que te parecia uma bela sinfonia
é só mais uma banda a passar.
A chuva encharcou-te os sapatos
e não sabes p'ra onde vais
tu desprezavas uma simples fatia
e o bolo inteiro era grande demais
agarras-te a mais uma cerveja
vazia como um fim de verão
perdeste a direcção de casa
com a tua sede de perfeição.
Tens um peso enorme nos ombros
os braços que pareciam voar
tu continuas a falar de amor
mas qualquer coisa deixou de vibrar
os teus sonhos de infância já foram
velas brancas ao longo do rio
hoje não passam de farrapos
feitos de medo, solidão e frio.
Jorge Palma, Norte
Sábado, 26 de Setembro de 2009
EM DIA DE REFLEXÃO
Para quem agora me está a ler, hoje é sábado, dia 26 de Setembro, e o país está em período reflexivo porque amanhã vai a votos. Mas eu estou a escrever nove dias antes do domingo das eleições. Eleições que espero (como espero sempre…) que sejam muito participadas, com grandes filas nas assembleias de voto, com as pessoas motivadas a deitar nas urnas a expressão da sua vontade, seja ela qual for, incluindo a de fazer um grande risco no boletim, a liberdade também é isso. Só não percebo muito bem a "liberdade de não votar".
Talvez porque vivi muitos anos sem poder livremente votar em quem muito bem entendesse, não percebo como se pode desperdiçar um bem pelo qual tanta gente lutou tanto. Tenho dificuldade em aceitar os que viram a cara e dizem "não tenho nada a ver com isso, estou de costas". Sobretudo - e isso cada vez é mais frequente- quando se trata de gente nova. Os tempos são outros, dizem. Talvez.
Mas eu acho que é sobretudo uma grande falta de comunicação. A gente mais nova está cada vez mais habituada a que lhes falem diversas línguas: o gramatiquês, o futebolês, o politiquês, tudo meio cabalístico e sem comunicação com o exterior. Basta ver o enunciado de um teste, um relato de futebol, um encontro de um político com o eleitorado jovem - para se reconhecer estas linguagens. Falta que alguém se lembre, um dia, de lhes falar Português . Alguém que se chegue junto deles e não rodeie o discurso de metáforas, ou de Inglês-técnico, ou do vazio mascarado com palavras que até o Moraes (ou o Houaiss, para ser mais moderno) se veria aflito para descodificar.
Alguém que tenha a coragem de lhes dizer "a culpa também é vossa", tal qual fez o presidente Obama, numa escola dos Estados Unidos, num discurso que circula pela net. Ele não está com paninhos quentes e diz-lhes mais ou menos isto: eu já falei da responsabilidade dos vossos pais, da responsabilidade dos vossos professores, da responsabilidade dos vossos governantes. Agora é tempo de falar da vossa. Porque se vocês faltarem às aulas, se não ouvirem nada do que se diz na sala, se estiverem sempre desinteressados, se passarem o tempo todo agarrado à consola, se não se esforçarem por descobrir aquilo para que têm jeito - e toda a gente tem jeito para qualquer coisa - tudo o mais não serve de nada, e o país não anda.
É um discurso não muito longo, que era bom que circulasse nas nossas escolas, e fosse lido e discutido com os alunos para que eles sentissem o mal que todo o facilitismo tem feito ao longo destes tempos.
E sobretudo para que sentissem o peso de uma palavra que raramente utilizam com eles, mas da qual tudo depende: a palavra responsabilidade.
Alice Vieira
Jornal de Notícias
26 de Setembro de 2009
Mais do mesmo?
NÃO, OBRIGADA!
Porque é preciso prender a rédea curta a estes senhores de incompetência demonstrada e que se julgam donos do país, das nossas vidas, e do futuro dos nossos filhos, no próximo domingo vou votar à esquerda.
Quarta-feira, 23 de Setembro de 2009
PROFESSOR!
Não esqueças as insónias
Raivas, ódios e feridas,
Chicotes de humilhação
E depressões incontidas.
Não sejas Judas, traidor,
Nem dês as mãos a Pilatos
Que os lobos estão escondidos,
Lá para as bandas dos Ratos.
Anda o sol a escaldar,
Neste acenar já de Outono,
Mas só com orgulho e brio,
Pode ser calmo o teu frio
E repousado o teu sono.
Isabel Fidalgo
Domingo, 13 de Setembro de 2009
Recusar Velhos do Restelo
1.Em 1949, quando a voz tinha de ser só uma, certo grande poeta, José Régio, professor em Portalegre, arriscando-se às consequências, ergueu a sua, a denunciar a ditadura e o medo. Havia eleições para a presidência da República e Norton de Matos era o candidato da oposição. Régio apoiou-o. Num caderno da Seara Nova, acerca do medo, escreveu: “inimigo da alma: porque é o medo que tolhe até os impulsos mais generosos, faz desistir até das aspirações mais justas, afoga até o grito mais espontâneo, corrompe e assombra até a mais clara visão da vida.” O medo de quê? De nos arriscarmos e reclamarmos a justiça social? 60 anos passados, o virar de costas à realidade, que é, sobretudo, virarmos as costas a nós próprios e desrespeitar-nos, continua na raiz da resignação portuguesa. Evitamos o risco: o incómodo de nos manifestarmos, e tendemos a ir atrás dos outros indiferentes.
2.Indiferentes a quê? Ao futuro. Encolhemos os ombros (encolhemos a alma) e pensamos: que venha ele, futuro, como vier! E das duas uma: ou nos chegamos aos que parecem garantir a paz podre ou abstemo-nos de nos manifestar. Em eleições, isso descamba no seguinte: ou preferimos aqueles que se mostram dispostos a não melhorar nada (e, afinal, continuam a tirar partido do que está mal ou péssimo) e elegemos os ultraconservadores em vez dos que prometem caminhos renovados, mais justos – ou, razoando para esconder o medo, pura e simplesmente, nos abstemos de votar. Lá está o medo, “inimigo da alma”. Lá está o homem a rebaixar-se. Lá está o homem a não querer saber que é responsável pela sociedade em que vive – e a deixar a própria vida por mãos alheias.
Manuel Poppe, O Outro Lado
Jornal de Notícias [13.Setembroo.2009]
Sexta-feira, 11 de Setembro de 2009
Ribeira Grande (S. Miguel.Açores)
Águas pouco transparentes
Na "Ode ao ar" do início das "Odes elementales" que dedica às coisas simples, Neruda dirige-se assim ao "incansável" ar: "Monarca ou camarada,/ fio, coroa ou ave,/ não sei quem és, mas/ uma coisa te peço, não te vendas./A água vendeu-se/ e dos canos,/ no deserto,/ vi/ extinguirem-se as gotas/ e o mundo pobre, o povo/ caminhar sequioso/ cambaleando na areia".
A privatização, isto é, a entrega ao critério do lucro, de bens essenciais não é coisa que possa ser tratada como mais uma trica eleitoral e, feita a denúncia, não pode ser ignorada pelos partidos que se propõem ser governo.
É, pois, fundamental que tanto o PS como o PSD respondam à acusação do BE de que estará em curso um projecto de entrega da água que bebemos à cobiça privada. Sendo de procura quase inelástica, a água é um negócio altamente apetecível e, porque ninguém pode viver sem água, uma responsabilidade social elementar de que o Estado não pode demitir-se.
Se há assunto em que qualquer partido deve ser absolutamente transparente é o das suas intenções nesta matéria. E nem o PS nem o PSD o são, o que legitima todas as suspeitas.
Manuel António Pina, Por Outras Palavras
Jornal de Notícias [11.Set.2009]