Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2018

Joaquim Alberto

A vila de Riachos, no concelho de Torres Novas, tem a sua dose de revolucionários. Joaquim Alberto será um dos mais emblemáticos. Do seminário às cooperativas agrícolas de Árgea (Torres Novas) e Moçambique, até Paris apoiando os emigrantes e integrando a Liga da Unidade e Ação Revolucionária (LUAR), Joaquim Alberto envolveu-se em todos os grandes movimentos revolucionários da sua época. Na filosofia política chamar-lhe-iam uma homem de ação, aquele que tem o impulso de agir e construir algo novo, mas Joaquim Alberto não quer saber de teorias, mas de pessoas. Viveu o seu tempo como poucos, dizendo “presente” sempre que houve apelo para agir. Faltava apenas a biografia, apresentada no sábado, 15 de dezembro, no dia em que celebrou 80 anos.

“A minha divisa é assim: toda a gente tem obrigação de tentar, ninguém tem a obrigação de conseguir. Portanto, eu ando sempre a tentar”.

Joaquim Alberto

A frase faz a contracapa da obra “Crescem flores onde estiveres – A vida de Joaquim Alberto contada pelo próprio”, uma edição de O Riachense, com autoria de Carlos Simões Nuno e Carlos Tomé. O livro é a condensação de mais de 12 horas de entrevistas a Joaquim Alberto Lopes Simões, nascido riachense em 1938 e residente atualmente nos arredores de Paris (França), cuja vida repleta de atribulações é digna de um filme, conforme constatou o seu amigo e músico Pedro Barroso na cerimónia de apresentação da obra.

Mais que uma compilação biográfica realizada mediante as palavras do próprio protagonista, o livro torna-se automaticamente um documento histórico, tanto de Riachos como do próprio país. Joaquim Alberto será um dos derradeiros revolucionários portugueses a quem faltaria redigir o testemunho e, deste modo, preservar a memória de um tempo que parece cada vez mais distante da realidade.

Filho de Carlos Simões, sapateiro, e de Emília Lopes Portelinha, encontra-se no meio de seis irmãos. Fez os estudos secundários em Tomar e tornou-se serralheiro, passando também pelos CTT e pela Renova. Com 21 anos, em 1959, ingressou no Seminário dos Olivais, onde permaneceu até 1966, tirando o curso superior de Teologia.

O então diácono não chegou porém a ser ordenado padre e partiu para Paris, no intuito de estudar filosofia. Os tempos do Concílio Vaticano II, indica a biografia, parecem ter marcado esta inesperada mas importante transição na vida do riachense.

Em 1969 regressa a Portugal, fixando-se em Vila Franca onde trabalhou numa instituição de acolhimento de crianças. Na década de 70 está novamente em França, apoiando a comunidade emigrante que então lá afluía, travando conhecimento com o músico Zeca Afonso. Por esta época liga-se à LUAR, movimento radical que realizava atos de sabotagem ao Estado português. Tendo já ficha na PIDE, é preso em Espanha aquando uma viagem clandestina ao país. Entretanto ocorre o 25 de abril.

Joaquim Alberto esteve profundamente ligado ao movimento cooperativo, tendo-se envolvido na criação da cooperativa agrícola “Comunal”, em Árgea, freguesia de Olaia, logo em 1974. O mesmo ímpeto de reforma agrária levou-o a Moçambique, onde permanece vários anos desenvolvendo quer projetos cooperativos, quer de reconstrução. Entre os anos 80 e 90 viveu uma intensa vida associativa e autárquica, em projetos de desenvolvimento rural quer em Riachos, quer no Alentejo. Pelo caminho Paris esteve sempre na sua rota, acabando por ali se fixar. É pai de três filhos e avô de quatro netas.

A obra biográfica descreve-o na introdução como um “democrata radical”, a quem interessa “muito mais o envolvimento, a cooperação e o compromisso das pessoas com as suas vidas e com aquilo que se passa à sua volta, que propriamente os resultados conjunturais que daí vão resultando, porque a sustentação do processo e a participação das pessoas é o caminho mais seguro para que esses resultados possam ir sempre melhorando, não de forma abstrata e genérica, mas para as pessoas concretas que eles implicam”.

Nunca terá procurado a felicidade de toda a gente, mas a de cada pessoa, salientam os biógrafos, na busca de uma sociedade socialista, livre, onde temos a obrigação de pelo menos tentar.

Ao mediotejo.net, numa entrevista que antecedeu a apresentação do livro na Casa do Povo de Riachos, Joaquim Alberto confessou que nunca procurou nada, simplesmente agiu quando assim sentiu o dever.

“Eu nunca quis coisa nenhuma. As coisas acontecem e há duas maneiras de encarar as coisas: ou a gente vira-lhe as costas, não passa cartão nenhum, ou então, quando as coisas acontecem, entra nelas. Eu nunca gostei de virar as costas, porque não se deve virar as costas ao inimigo”. Porém “nunca me aconteceu nada que fosse eu a ir procurar”, admite.

Na sua vida procurou assim sempre combater o “medo”, enfrentando-o de frente e tentando fazer parte da solução. Foi deste modo que se envolveu nas cooperativas agrícolas, acreditando que “é pela parte mais simples do viver que as coisas têm que evoluir”. Na construção de um novo modelo de sociedade é necessário porém a vontade de todos os envolvidos, sobretudo de quem gere o sistema, algo que, constata, nunca aconteceu.

A mesma deceção teve em Moçambique, não obstante aí ter voltado nos anos 90 e ajudado à reconstrução de um país destruído pela guerra civil. Humanista no ser, evita o título quando é questionado. “Normalmente isso do humanista são coisas teóricas”, comenta, e ele é um homem de agir. “Se humanista é fazer coisas que têm a ver com as pessoas, está bem pode ser”, reflete.

A questão sobre o significado deste livro biográfico, escrito por amigos, deixa-o de lágrimas nos olhos. Não chega a responder.

No sábado, a Casa do Povo de Riachos encheu, albergando mais de uma centena de pessoas que compareceram para a apresentação do livro sobre a vida de Joaquim Alberto.

O músico Francisco Fanhais tocou a música, com letra de Pedro Lobo Antunes, “Nascem flores”, um hino ao protagonista da tarde, tendo aberto a sessão com ‘Utopia’, de Zeca Afonso. Já Pedro Barroso entoou a sua “Menina dos olhos d’água”, entre um conjunto de baladas que fizeram recordar os tempos de abril. Zeca Afonso foi o letrista e compositor mais citado, no contexto dos vários artistas que subiram a palco.

“O pólo central deste livro é Riachos”, explicou ao mediotejo.net o co-autor da obra, Carlos Tomé. O livro nasceu da constatação da quantidade de histórias que Joaquim Alberto tinha para contar, tornando-se um documento histórico não só sobre a luta contra o fascismo como da vida associativa e autárquica da vila torrejana.

“Há muita coisa de novo, pode-se descobrir muita coisa”, frisou, nomeadamente sobre esta figura que foi importante para a História local.

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publicado por Elisabete às 15:42
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