Quarta-feira, 18 de Janeiro de 2017

CRISE TRAZ CUNHALISMO DE VOLTA

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PCP regressa às origens e recentra discurso na defesa do patriotismo

Ana Paula Correia

apc@jn.pt

 

A crise e a troika trouxeram de volta ao PCP o reforço do discurso do patriotismo, num regresso às origens e ao “cunhalismo”. Uma orientação que coincide com o centenário de Álvaro Cunhal, que hoje se comemora.

Historiadores e antigos dirigentes ouvidos pelo JN convergem na ideia de que a situação de dependência em que se encontra o país é o terreno fértil para que a actual direcção do PCP aproveite o centenário do líder histórico para “voltar às origens” e consolidar a identidade partidária.

É nesse contexto que o discurso político comunista se recentrou na defesa do patriotismo, ilustrada no slogan “Por uma política patriótica e de Esquerda”.

O historiador José Neves, antigo militante do PCP, sublinha que foi essa linha de identidade nacional que “Cunhal garantiu a resistência do partido à queda da União Soviética e é com a mesma orientação que Jerónimo tenta polarizar à Esquerda, num quadro de intervenção externa no país”.

Se é verdade que “o patriotismo teve sempre uma presença no partido com ou sem Cunhal”, como lembra Octávio Teixeira, antigo líder parlamentar no consulado de Carlos Carvalhas, a conjuntura era outra. É que não era preciso cerrar fileiras contra a agressão externa”.

 

DIRIGENTES //CUNHALISTAS

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Também Carlos Brito, o histórico dirigente que se afastou do partido em 2002, considera que esta aproximação pública ao “cunhalismo” por parte da direcção de Jerónimo é circunstancial. Brito não subscreve a tese de que há um regresso ao legado ideológico de Cunhal. Pelo contrário, lamenta que “não se retire o melhor do pensamento” do líder histórico, o que “reflecte um vazio ideológico”. E acusa os dirigentes de usarem “de forma incompleta e fora do contexto” alguns pensamentos de Cunhal. Ou seja, “num culto da personalidade usado para capitalizar o descontentamento nacional pela crise e a ingerência da troika”.

Na mesma linha de pensamento, o historiador João Madeira, que já militou no PCP, duvida que a aproximação a Cunhal seja ideológica. “É instrumental numa tentativa de consolidação da identidade partidária para polarizar o descontentamento em relação à crise”.

A ideia de que há culto da personalidade na comemoração do centenário de Cunhal é rejeitada por Manuel Loff, historiador próximo do PCP, que assume, no entanto, existir “estratégia e empenho particular na gestão da comemoração” como forma de “reforçar a identidade do partido”.

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O rapaz sem medo que sempre quis ser comunista

Uma das inúmeras palestras que Álvaro Cunhal deu em universidades e escolas nos anos 1990, foi perturbada por uma ameaça de bomba. Encarou a provocação com um sorriso quase displicente.

“Nunca tive medo. Essa é a palavra que não vejo que me possa ser aplicada”, diria num colóquio, em 1997.

Que poderia temer, ao cabo de tantos anos de vida, décadas de exílio e clandestinidade, 12 anos de prisão – oito em isolamento – três prisões e torturas?

Nascido em Coimbra a 10 de Novembro de 1913, Álvaro Cunhal – cujo centenário o Partido Comunismo Português (PCP) assinala hoje com um Comício no Campo Pequeno, em Lisboa – enfrentou o risco desde muito cedo.

Aderindo ao PCP aos 17 anos, através da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas, da qual será secretário-geral em 1935, apresenta neste ano, no Senado da Universidade de Lisboa (em cuja Faculdade de Direito entrara em 31), uma proposta para a extinção da organização fascista Acção Escolar Vanguarda. E é delegado ao VI Congresso da Internacional Comunista Juvenil, em Moscovo.

Em 1936, vai a Espanha tratar da libertação de camaradas presos em Cáceres e envolve-se durante meses na resistência ao levantamento franquista. No regresso clandestino, com apenas 23 anos, é preso e torturado. Libertado em 1938, é forçado, no ano seguinte, a cumprir o serviço militar na Companhia Correccional de Penamacor.

Preso novamente em 1940, prepara a tese de licenciatura na Penitenciária de Lisboa, mas recusa defendê-la noutro local que não seja a sua faculdade. Embora comprometidos com o regime, professores como Marcelo Caetano aprovam com 16 valores a tese sobre o aborto.

A partir daqui, o trabalho político intensifica-se. Mergulha na clandestinidade e participa activamente na organização do PCP, especialmente no Norte do país, a partir de 1942. Mas a organização sofre um rude golpe, com a captura de Cunhal, Militão Ribeiro e outros quadros, em assaltos da PIDE a casas clandestinas do partido em 1949.

Julgado em 2 e 9 de Maio de 1950, faz a sua própria defesa e reverte o libelo: “o nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado (…), que se sentem os fascistas no banco dos réus”.

Na prisão, que cumpre na Penitenciária de Lisboa, até 1956, e no forte de Peniche, sofre o isolamento durante oito anos, tratamentos médicos insuficientes e alimentação deficiente. Mas resiste. Estuda, reflecte, escreve, pinta e prepara meticulosamente a fuga com outros camaradas. A 3 de Janeiro de 1960, dez quadros do PCP realizam a mais espectacular e humilhante evasão.

Álvaro Cunhal e outros quadros vivem clandestinamente no país até 1961, mas acaba por exilar-se para dirigir o partido a partir do exterior, embora tivesse regressado secretamente várias vezes.

A 30 de Abril de 1974, é recebido em festa por milhares de pessoas no aeroporto de Lisboa. Na sua primeira alocução, saudou “todos aqueles que sofreram perseguições”.

Morreu a 13 de Junho de 2005, comunista como sempre quisera ser. ALFREDO MAIA

 

UMA CARTA DA PRISÃO

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A Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto vai lançar o livro “Cunhal/Cem Anos/100 palavras”.

Com pequenos textos sobre palavras-chave, abre com uma carta inédita do dirigente e intelectual comunista ao pai e à irmã Eugénia. Oferecida ao investigador Victor Pinho e pertencendo ao espólio da Biblioteca de Barcelos, o documento, datado de 23 de Agosto de 1951, na Penitenciária de Lisboa, é uma singular carta familiar de prisão. Num registo carinhoso, alude às preocupações de saúde. Mas a menção ao incómodo do vento “soprando do Norte” pode referir-se à arriscada candidatura de Ruy Luís Gomes à Presidência e à violenta repressão da PIDE sobre ela.

Partilhando elementos dos estudos sobre questões agrárias, a pretexto de uma pretensa visita da família à feira de Barcelos, alerta: “Conheço essa boniteza pitoresca de bilhete postal (…) Mas sei também que esse Minho é o Minho dos caseiros e dos terços e dos `quintos’ e das hipotecas”, explorados pelos grandes proprietários. A.M.

 

[ESCRITOR E PINTOR]

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 Manuel Tiago

Seguiu o exemplo do pai muito para lá da faceta de resistente ao fascismo. Tal como Avelino da Costa Cunhal, licenciou-se em Direito e destacou-se nas Artes, principalmente como escritor e sob o pseudónimo de Manuel Tiago (só revelado em 1994).

Publicadas após o 25 de Abril, são obras marcantes o romance “Até Amanhã, Camaradas”, em grande parte escrito na prisão de Peniche e, agora, recuperado por Joaquim Leitão para o cinema (depois da série televisiva, em 2005), e a novela “Cinco Dias, Cinco Noites”, que José Fonseca e Costa adaptou para o cinema em 1996. São ainda da sua autoria o romance “A Estrela de Seis Pontas” e a colectânea de contos “Fronteiras”.

Tradução do “Rei Lear”

Data de 1962 a primeira publicação da tradução que fez da tragédia “Rei Lear”.

Incluída nas “Obras de Shakespeare”, edição da Tipografia Scarpa, a tradução não foi, naquela época, atribuída ao histórico do PCP. Realizado entre 1954 e 1955, quando estava preso em Lisboa, o trabalho foi publicado como sendo de Maria Manuela Serpa. O nome de Cunhal seria assumido muito mais tarde. 

“Desenhos de prisão”

Carvão e grafite sobre papel foram os materiais que usou nos “Desenhos da prisão”, publicados sob esse título em 1975 e executados entre 1951 e 1959, em reclusão. O povo é o tema dominante, mas, quando se trata de figuras individuais, a mulher é quase sempre a protagonista. Estes desenhos inserem-se na estética neo-realista, na linha da capa que fez para a primeira edição de “Esteiros” (1941), de Soeiro Pereira Gomes. ISABEL PEIXOTO

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Anúncio do JN ajudou a denunciar prisão

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A CIDADE recebeu apoteoticamente o secretário-geral do Partido Comunista Português”. É assim que começa a reportagem do “Jornal de Notícias” sobre a deslocação de Álvaro Cunhal ao Porto, em 22 de Junho de 1974, contabilizando “muitos milhares de pessoas” na Praça do Município e no comício do Palácio de Cristal.

Era a primeira vez que estava no Porto em liberdade e às claras. Noutras, estivera clandestino, em trabalho partidário no Porto e no Norte, desde 1942. Ou trazido às ocultas pela PIDE, com Militão Ribeiro e Sofia Ferreira, para os calabouços da Rua do Heroísmo, depois da sua prisão numa casa clandestina no Luso (25 de Março de 1949). O paradeiro do Porto foi dado a conhecer à família – via JN e “O Primeiro de Janeiro” – através de um hábil estratagema dos antifascistas Virgínia Moura e Lobão Vital.

Num anúncio pago, inserido no dia 30, fizeram constar que o advogado “Álvaro Cunhal Duarte” (Duarte fora um pseudónimo da clandestinidade) agradece aos amigos “os cuidados que têm manifestado pelo seu estado”.

De imediato, o pai, Avelino Cunhal, põe-se a caminho do Porto e a polícia política acaba por deixar de poder ocultar a prisão, fazendo publicar uma nota sobre a detenção daqueles quadros (JN, 31/4/1949). Aqui foi sujeito a interrogatório sob tortura, mas resistiu e nada revelou, pelo que foi levado durante o mês de Abril seguinte para a Penitenciária de Lisboa. Voltaria ao Porto clandestinamente e teria vivido aqui entre Fevereiro e Maio de 1961.

 

AFÁVEL e ouvinte atento, arguto na análise política

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ERA UM HOMEM de um relacionamento absolutamente fácil – afável e amável. Estava atento aos problemas pessoais dos quadros e de toda a gente” e de “grande argúcia política”. É assim que Agostinho Lopes, quadro comunista do Norte, que trabalhou nos órgãos centrais com Álvaro Cunhal, recorda o líder, com quem se encontrou pela primeira vez no final de 1974.

Desmobilizado do Exército, onde o 25 de Abril o encontrara como alferes-miliciano, este engenheiro e já militante do PCP, Lopes é destacado para a Direcção da Organização Regional do Norte, onde fica responsável pela área da agricultura – uma das predilectas de Cunhal, nota.

Surpreendido com a extensão e a densidade dos dados estatísticos do estudo “Contribuições para o Estudo da Questão Agrária”, elaborado na prisão, destaca a contribuição da obra para a visibilidade de problemas como a dimensão e posse da propriedade e as condições dos camponeses.

O primeiro contacto com Álvaro Cunhal ocorre em 29 de Dezembro, na 1ª Conferência dos Camponeses do Norte. E prossegue nas reuniões regulares da comissão de agricultura junto ao Comité Central, nas quais Cunhal participa. “Tinha uma extraordinária capacidade para ouvir e ouvia com paciência e humildade as informações de todo o país.”

O momento mais “empolgante” partilhado foi a campanha eleitoral de 1987, na qual Lopes era cabeça de lista em Vila Real. A caravana na região foi bem recebida e o comício encheu. “Foram momentos de grande exaltação”. Mas “os resultados não corresponderam”: Cavaco Silva teve a primeira maioria absoluta.

Eleito para a Comissão Política (1990), Agostinho Lopes viveu os momentos de “tensão e muito grande preocupação com as rupturas na União Soviética”. Cunhal desenvolveu “um grande esforço de racionalização na compreensão dos acontecimentos”, especialmente o desmoronamento do Bloco Socialista e os efeitos na alteração na correlação de forças. A.M.

 

Evocação da DORF

Ontem, no âmbito das comemorações do centenário do ex-secretário-geral do PCP, a Direcção da Organização Regional do Porto do PCP promoveu, no Salão do Clube dos Fenianos Portuenses, uma sessão evocativa do contributo de Cunhal para a luta dos trabalhadores já depois do 25 de Abril. A sessão incluiu a exibição de um filme alusivo às visitas de Cunhal ao Norte entre 1974 e 1984. “Nos momentos mais difíceis vividos sobre a tirania fascista, o Porto deu elevadas provas da sua fidelidade aos ideais democráticos de combatividade, da sua inabalável confiança no futuro”, afirmou Cunhal em 1974.

O líder comunista voltou várias vezes, já como membro do Primeiro Governo Provisório, para comícios, congressos e para a primeira Festa da Alegria, em Braga.

Em Abril de 1976, reforçou a importância da defesa da Constituição Portuguesa. “Representa uma grande vitória dos trabalhadores porque, com a sua luta, levaram a cabo e tornaram irreversíveis transformações profundas das estruturas económicas e sociais”.

A 25 de Março de 1977, desmascarou a “política de recuperação capitalista” de Mário Soares, cujo governo cairia oito dias depois.

ALFREDO MAIA e HELENA TEIXEIRA SILVA 

publicado por Elisabete às 15:41
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