Quinta-feira, 13 de Outubro de 2011

Abel Manta

Auto-retrato (1912)

 

Abel Manta nasceu em Gouveia, a 12 de Outubro de 1888, e morreu em Lisboa, a 9 de Agosto de 1982.

 

 Vista de Gouveia (1925)
 

Exprimiu-se em várias modalidades: ilustração, cartaz, tapeçarias, murais, arquitectura e cartoon. Iniciou-se como figurativista, mas o contacto com Manet, Matisse e Cézanne, em Paris, levou-o a aderir ao pós-impressionismo.

Regressa a Portugal, em meados da década de 20, onde se vai dedicar à Pintura.

 

Em Gouveia, sua terra natal, Gouveia, foi inaugurado em Fevereiro de 1985 o Museu Municipal de Arte Moderna Abel Manta, num edifício setecentista.

 

Gouveia.Museu Abel Manta no Solar dos Condes de Vinhó

 

Foi casado com a pintora Clementina Carneiro de Moura, e pai do arquitecto, pintor, designer e cartoonista João Abel Manta.

 

As Maçãs (1925)

publicado por Elisabete às 17:34
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Sábado, 21 de Março de 2009

Pastores e artesãos...

 

Os primeiros teares criaram-se, em já difusos e incontáveis dias, para a lã que produziam os rebanhos dos Hermínios. O homem trabalhava, então, no seu tugúrio, erguido nas faldas ou a meio da serra. No Inverno, quando os zagais se retiravam das soledades alpestres, os lobos desciam também e vinham rondar, famintos, a porta fechada do homem. A solidão enchia-se dos seus uivos e a neve reflectia a sua temerosa sombra. A serra, porque só a pé ou a cavalo a podiam vencer, parecia incomensurável, muito maior do que era, e de todos os seus recantos, de todos os seus refegos brotavam superstições e lendas – histórias que os pegureiros contavam, ao lume, a encher de terror as noites infindas.
O homem viera para ali há muitos séculos, mas poucos tinham sido e poucos eram ainda os que levantavam o seu abrigo de granito nos sítios mais propícios; e, quando o faziam, achegavam-se uns aos outros, como se se quisessem defender da bruteza circundante. Os génios da montanha e as fúrias do céu possuíam, assim, quase toda a majestosa extensão da serrania, ermáticos domínios onde podiam transitar com passos de fantasmas ou bramir livremente.
No começo do Verão, antes de demandar os altos da serra, ovelhas e carneiros deixavam, em poder dos donos, a sua capa de Inverno. Lavada por braços possantes, fiada depois, a lã subia, um dia, ao tear. E começava a tecelagem. O homem movia, com os pés, a tosca construção de madeira, enquanto as suas mãos iam operando o milagre de transformar a grosseira matéria em forte tecido. Constituía o acto uma indústria doméstica, que cada qual exercia em seu proveito, pois a serra não dava, nessas recuadas eras, mais do que lã e centeio.
 
 
 
Pouco a pouco, porém, foi sendo tradição no reino que os homens da Covilhã e suas redondezas eram mestres, como nenhuns outros, em tecer bifas, almáfegas e buréis. Então, os monarcas e seus acólitos acabaram atentando nesses tecelões dispersos pelas abadas da serra; e com ordenações, pragmáticas, alvarás e regimentos, ora os estimulavam em seu solitário labor, ora os constrangiam sob pesadas sisas. Da Flandres vinham panos concorrentes, que exibiam mais esmerada tessitura; apesar disso, os humildes teares continuavam a mover-se, alimentados pelos rebanhos da Estrela.
Depois, Portugal descobriu longínquas terras e também a rota marítima da Índia; e houve que vestir a muitas gentes exóticas, a troco do que elas, forçadas ou voluntariamente, entregavam aos descobridores. E os teares da serra multiplicaram-se. Cada tecelão trabalhava, ainda, no seu casebre, de lume aceso no Inverno e porta escancarada no Estio. A maior casa pertencia, então, ao deus do povoado. Mas, um dia, na Covilhã, ergueu-se uma casa maior do que a do deus. Era a primeira fábrica de tecidos. Muitos tecelões deixavam a faina individual e iam trabalhar em conjunto. Da Inglaterra e da Irlanda chegavam outros homens para lhes ensinar os últimos progressos da sua arte. A lã da serra já não bastava; ia-se mercá-la ao Alentejo e a outras terras do país. E os teares começaram a vestir os exércitos reais. Cada século aportava novos aperfeiçoamentos à tecelagem e levantava novas fábricas nas margens das duas ribeiras que desciam da serra, cantando, a um lado e outro da cidade.
 
 
Um dia, tudo se revolucionou. Já não se tratava de melhores debuxos, de mais gratas cores, mas de coisa mais profunda – da produção automática. Lá nas nevoentas terras inglesas o padre Cartwright inventara o tear mecânico. A água, fazendo girar grandes rodas, começara a produzir o movimento dado, até aí, pelos pés do homem. Mas continuavam a ser precisos homens junto das novas máquinas.
Os serranos, que, nas solidões da Estrela, ora pastoreavam as suas ovelhas, ora teciam a lã que elas forneciam, tornaram-se cada vez mais raros. A maioria entrara nas fábricas. Eles tinham de regrar, agora, a sua vida por um salário fixo, chegasse ou não chegasse para as exigências de cada dia. Isso, porém, carecia de importância; ninguém pensava em aumentar-lhes os ganhos, pois havia de se ter sempre em conta o preço da mão-de-obra para a concorrência dos tecidos nos mercados.
Os homens passavam dias e noites dentro das fábricas, só saindo aos domingos, para esquecer o cárcere. Já não viam as ovelhas, nem ouviam o melancólico tanger dos seus chocalhos nos pendores da serra, ao crepúsculo; viam apenas a sua lã, lã que eles desensugavam, que eles lavavam, cardavam, penteavam, fiavam e teciam, lã por toda a parte.
A indústria ia crescendo sempre. Agora não eram grandes apenas a casa do deus dos homens e as casas das fábricas; ao lado destas, outras casas grandes tinham surgido – as residências dos industriais. E todo o país falava da prosperidade da Covilhã.
Mais tarde, operou-se nova revolução. As enormes rodas que giravam nas ribeiras detiveram-se: o poder da água fora substituído pelo da electricidade. E fábricas existiam onde já laboravam pais, filhos e netos. Os centos de tecelões que, outrora, viviam nos lugarejos da serra, tinham-se multiplicado e constituíam, agora, milhares. Ladinas personagens, que, de magros dinheiros dispondo, compravam o fio a uns, mandavam-no tecer a outros e a terceiros vendiam os panos, acabaram desaparecendo também, devoradas pelos industriais poderosos. E só ficavam as grandes fábricas, com seus milhares de operários.
A lã do país já não chegava; tinha-se de procurá-la em terras estrangeiras. Da Austrália, da Nova Zelândia, da África do Sul, passaram a vir grandes carregamentos. Rebanhos distantes alimentavam, através dos mares, as fábricas quase escondidas nas ribeiras da Estrela.
A indústria sofria, porém, constantes oscilações. Ora fabricava sem descanso, ora, por escassez de matéria-prima ou parco consumo, diminuía os dias de seu trabalho. Então, homens e mulheres, que à lã haviam entregue a sua vida, defrontavam-se com uma miséria mais descarnada ainda do que a normal. Com seu fabrico reduzido, a Covilhã, em vez de exportar panos, passava a exportar raparigas para o meretrício de Lisboa.
A sujeição ao destino comum, criara, todavia, alguns vínculos entre os descendentes dos primeiros tecelões. No século XX, mais do que sons de flautas pastoris descendo do alto da serra para os vales, subiam dos vales para o alto da serra queixumes, protestos, rumores dos homens que, às vezes, se uniam e reivindicavam um pouco mais de pão.
 
Ferreira de Castro, A Lã e a Neve (Pórtico)
 
publicado por Elisabete às 15:56
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