TOMADO DE ASSALTO UM PALACETE DESABITADO
"A igualdade dos homens começa na igualdade das crianças"
Seguindo uma linha de actuação que desde há muito não deixa qualquer tipo de dúvidas, quanto às finalidades a atingir, a LUAR (Liga de União e Acção Revolucionária), ocupou ontem, para o povo, um prédio abandonado da Rua Morgado Mateus, transformando-o de imediato, numa Comuna Infantil Popular, a que deram o nome, por sugestão dos moradores dos bairros da zona, de Soldado Joaquim Luís, o militar assassinado em 11 de Março pelas tropas reaccionárias de Spínola.
A acção foi programada com a antecedência que uma actuação deste tipo exige. As comissões de bairro da freguesia do Bonfim foram auscultadas. Militantes da organização vinham efectuando desde há dias um levantamento social da zona, chegando à indubitável conclusão de que era necessário instalar um infantário na freguesia. O prédio foi escolhido com a ajuda de moradores, a partir de informações que permitiram a selacção.
Designado o local, grupos de elementos da LUAR estudaram a parte operacional do "assalto". Foram contactados médicos e enfermeiros. Confirmada a viabilidade da operação, foi escolhido o dia de ontem, à hora 10ª, para o accionar de toda a orgânica do grupo.
Em segundos, o prédio foi tomado.
Tinha sido aumentado o poder das crianças. A miudagem do Bonfim, tinha mais qualquer coisa de seu.
CRIAR PODER POPULAR
A LUAR não trabalha de improviso. As acções desenvolvidas são consequência de um profundo estudo operacional de cada segundo dos minutos de actuação e do avaliar consciente das possibilidades de apoio às posições assumidas. A intervenção do grupo começa na consciencialização das bases. Como tal, enquanto o grupo de intervenção tomava a casa de assalto, o grupo de propaganda distribuía pela zona da morada ocupada o seguinte comunicado:
"No dia 16 de Março, pelas 10 horas, foi ocupada pela LUAR e com o apoio imediato e activo da população local, a habitação há muito desocupada, situada na Rua Morgado Mateus, ao Campo 24 de Agosto, ex-sede do Grémio da Indústria de Curtumes.
"O objectivo é transformar esta magnífica casa inútil e ampla num infantário-creche comunal administrado exclusivamente pelos populares. Pretende-se com esta acção lançar as ideias básicas de um Serviço Nacional de Assistência à Criança, ao serviço das massas trabalhadoras mais desfavorecidas e controlado por elas.
"É evidente que acções como esta não terão significado se não se alargarem à população de todo o País, se não assumirem uma forma de poder popular. Para que o povo futuramente ganhe o poder, é necessário para já a nível político e económico haver um controlo efectivo por parte das massas trabalhadoras. É aqui que surge a necessidade dos poderes piopulares, significando isto que, em regime de exploração capitalista, quem comanda o poder não pode servir o povo.
"É necessário que no local onde vivemos, nos bairros, nas fábricas, nas aldeias, nas cidades, nos locais onde trabalhamos, nos campos e nas empresas, se constituam comissões de moradores, de consumidores, de trabalhadores que, coordenados a nível nacional, procurem constituir uma alternativa ao poder burguês. A luta contra a exploração capitalista vai ser dura e prolongada. Neste momento, para que o plano de "Assistência Nacional à Criança" não morra, é preciso o apoio consciente, profissional e material, de todos quanto queiram lutar por uma sociedade socialista".
UM APELO DAS CRIANÇAS
O manifesto termina com um apelo das crianças do Bonfim, S. Lázaro, Campo 24 de Agosto, Fernão de Magalhães, S. Vítor, etc. lançado ao papel pelo punho de um militante da LUAR:
"Apelamos sobretudo para os camaradas dos hospitais, das comissões de trabalhadores dos estabelecimentos de Saúde e Assistência e das empresas ligadas aos ramos médicos e farmacêuticos, dos sindicatos dos médicos, dos enfermeiros, dos assistentes sociais; a todos os particulares que apoiem esta iniciativa popular."
E é obrigatório apoiar esta iniciativa realmente popular. Sem dogmatismos, sem discursos ou corta-fitas, homens do povo, ontem a meio da manhã, mostraram que estão efectiva e incondicionalmente ao serviço do povo. Sem a mira do voto (como se sabe a LUAR não participa nas eleições), sem rótulos liberalizantes, nem com gritos de liberdade, os homens da LUAR agiram como verdadeira força popular, ao serviço do povo, sem histéricas pragmáticas e democracia, sem cognominações de povo ou trabalhadores ou cristãos. Na unidade revolucionária, a LUAR continua a construir o socialismo.
"FARTOS DE CONVERSA ESTAMOS NÓS"
O sr. Alberto Correia é subchefe aposentado da P.S.P. Tem 79 anos. Mora na freguesia. Ontem, foi visitar "o prédio dos netos".
- Assim é que é. Olhe, os meus netos é que ficam a lucrar. Não tinham onde brincar, agora passam a vir para aqui. Sabe, eu sou do tempo da 1ª República. Também quando foi do falecido general Humberto Delgado, pus lá o meu voto por ele, mas cortaram-mo. Sou democrata velho. E fartos de conversa estamos nós. Assim é que é..."
Setenta anos mais nova, disse-nos a Margarida do Carmo Sá Azevedo:
- Acho que isto é uma coisa muito boa, e que pensaram em nós. Assim, é dar-nos também o poder.
Edite Manuela, de 7 anos, desenhava uma bonita casa nos painéis postos pela LUAR à disposição das crianças numa das salas do magnífico edifício de 5 pisos:
- O que penso disto é que é bom, porque ficamos com mais coisas.
Com um ano a menos, o Fernando Pedro acha que "é muito bom, porque posso encontrar aqui muitos amigos e é termos uma casa só para nós".
- Havia era de ter sido há mais tempo. - disse-nos o sr. Inácio dos Santos Sobrinho, nascido e criado na freguesia do Bonfim. - Estar uma casa destas aqui abandonada até é uma ofensa para os pobres. Veja lá o senhor que os tipos queriam vendê-la por vinte mil contos. Foi bem feito. As crianças merecem tudo.
UMA CASA PARA O POVO
Durante todo o dia de ontem, o edifício foi visitado por centenas de pessoas, dezenas de crianças que foram conhecer a sua nova casa.
- Nós tomámos a casa. Mas para a dar ao povo. Por isso o povo é que irá administrá-la e usufruir da organização médica que começamos a programar - disse-nos um dos responsáveis do núcleo do Norte da LUAR.
Após a actuação do Grupo de Intervenção, secundado por um grupo de Segurança, um grupo procedeu ao inventário das poucas coisas que se encontravam no interior do prédio abandonado. Como já referimos, um outro grupo, o de Propaganda, comunicou à população da zona que a partir daí possuiam uma Comuna Infantil Popular.
Hoje, começam já a funcionar os serviços médicos, através de alguns clínicos simpatizantes da LUAR, e de outros que imediato se solidarizaram com a ideia. Numa segunda fase, que se prevê seja o mais breve possível, a Comuna Infantil Popular será entregue a uma Comissão de Gestão constituída por moradores da zona, retirando-se então os elementos da LUAR, que continuarão, no entanto, activos e organizados, para novas acções de interesse geral.
Podemos desde já adiantar que está num dos planos futuros da Liga de União e Acção Revolucionária, ocupar uma outra morada para aí instalar uma Comuna de Convívio para Velhos, onde além de um merecido repouso, os mais idosos encontrarão assistência médica e o carinho humano de que tanto precisam.
Mas para a concretização desta ideia e consolidação do projecto ontem iniciado, a LUAR, organização apartidária, progressista e sobretudo revolucionária, espera a ajuda de todos.
AS CRIANÇAS AGRADECEM:
As crianças da Comuna Infantil Popular agradecem ofertas de cobertores, colchões, brinquedos, material escolar, roupas, medicamentos, livros, géneros alimentícios, móveis e a colaboração de médicos, enfermeiros e assistentes sociais. Todas as ofertas poderão ser entregues na Rua Morgado Mateus, nº 137, ou na sede da LUAR, na Praça Marquês de Pombal.
FRONTEIRA
Jornal legal, publicado em França, embora com morada belga, impresso em tipografia (Imp Maubert, Saint-Ouen). Esta dualidade de endereços deveu-se ao facto de o primeiro número ter sido feito na Bélgica, e estar previsto servir de órgão a um “centro cultural” em Bruxelas, que apoiaria a logística da LUAR. O responsável inicial era o padre Joaquim Alberto. Esse projecto falhou e a redacção foi deslocada para Paris. A intenção do grupo da Fronteira era publicar um número por mês, e depois passar para semanal, mas tal não foi conseguido (4 números em seis meses, em 1973, e dois em quatro meses até ao 25 de Abril). O jornal tinha uma tiragem de “vários milhares de exemplares”. Uma das razões para a elevada tiragem era atingir o número de exemplares necessários para a distribuição ser feita pelas Nouvelles Messageries de la Presse Parisienne (NMPP), ligada à CGT. Para além disso, era vendido nos mercados de Paris e à porta das fábricas, nos locais onde havia muitos emigrantes portugueses. Era igualmente distribuído na Bélgica, na Holanda, no Luxemburgo, na Inglaterra e na Alemanha, assim como alguns exemplares eram enviados para o interior de Portugal.
Ao abrigo da lei francesa e belga, os editores responsáveis eram, na França, Pierre Vidal-Naquet, e, na Bélgica, François Houtart. […]
O jornal era uma iniciativa da LUAR, que o financiava, e era dirigido na prática, desde o seu segundo número, por Fernando Pereira Marques, um membro da organização. Este, após cumprir pena de prisão pela sua participação na tentativa da LUAR de ocupar a Covilhã, em Agosto de 1968, e tendo sido libertado em 1971, estava em 1973 de novo ameaçado de prisão em Portugal, e foge para França, onde permaneceu até ao 25 de Abril de 1974. […] Entre os seus colaboradores contavam-se para além de Fernando Pereira Marques, Joaquim Alberto e Armando Ribeiro, todos da LUAR, os independentes Manuel Villaverde Cabral e Fernando Medeiros, Rodolfo Crespo, ligado à ASP, Gabriel Raimundo e João Vaz, que atuava como jornalista profissional. […]
A Fronteira cobre todos os temas da emigração: segurança social, acidentes de trabalho, racismo, luta contra a Circular Fontanet, greves. Mas cobre também os principais acontecimentos políticos ocorridos durante a sua publicação, a visita de Marcelo Caetano a Londres, as eleições de 1973, e inclui entrevistas e noticiário sobre os movimentos de libertação das colónias portuguesas. Porém, em certas matérias, vai mais longe do que os seus congéneres, como é o caso de um longo artigo sobre o aborto, a propósito do debate francês sobre a matéria.
[…]
O jornal é deliberadamente eclético no plano político, evitando envolver-se na conflituosidade verbal (e às vezes física) entre as organizações políticas que actuavam na emigração. […]
A orientação do jornal deu origem a uma discussão interna que se acentua nos finais de 1973 e em 1974. O jornal vai progressivamente precisando a sua orientação e assim respondendo às pressões sobre a sua “linha”. No número 4 publica-se um texto programático não assinado que demarca o jornal dos sectores mais moderados da oposição portuguesa, em particular o novel PS, com quem a LUAR mantinha relações:
[…]
A revolução a fazer em Portugal será popular ou não será revolução. Construirá o socialismo e não se limitará a continuar a exploração capitalista. Não há meios-termos; é tempo que os trabalhadores deixem de servir de carne de canhão para substituir patrões. A revolução será a conquista das fábricas pelos operários, dos campos pelos camponeses, e o fim da exploração do homem pelo homem”. [“O Poder Popular. Nunca a Unidade com os Patrões Conduz à Vitória, Fronteira, nº 4].
Esta discussão acelerou-se pela prisão de elementos da LUAR, alguns dos quais eram seus colaboradores (Gabriel Raimundo, por exemplo). Entre Setembro e Novembro de 1973, mais de uma dezena de membros da LUAR são presos em Espanha e em Portugal, incluindo o principal mentor da organização, Palma Inácio. Estas prisões, vindas na sequência de várias outras acções da LUAR abortadas pela PIDE, aceleraram a reflexão sobre a actuação da organização, e, por consequência, a linha programática do jornal. Em Janeiro de 1974, Fernando Pereira Marques elabora um documento intitulado “Por Uma Utilização Correcta de Novos Métodos de Luta. Pela Revolução Socialista”, que, segundo o seu autor, era o único “documento […] com um carácter mais amplo e de natureza programática” produzido antes do 25 de Abril pela LUAR. O texto partia de uma reflexão autocrítica sobre “uma certa tendência às acções especiais” que limitava a “expressão correcta de uma perspectiva política e ideológica”. Na sua elaboração participaram Armando Ribeiro e Rui Pereira.
Este debate é truncado pelo 25 de Abril e, após um hiato de vários meses, a Fronteira reapareceu, agora como Jornal da Liga de União e Acção Revolucionária. O jornal passou a ser “dirigido a todos os trabalhadores portugueses e não essencialmente aos emigrantes, como acontecia”, mas reafirmando algumas das suas linhas de orientação fundamentais:
Claro que tem de haver uma adaptação à situação criada pelo levantamento militar de 25 de Abril, no entanto, o Fronteira continuará a ser não um jornal partidário mas sim informativo, aberto à colaboração de todos aqueles que não estando connosco organicamente partilham da mesma perspectiva revolucionária e socialista. E isto porque, utilizando as mesmas palavras de Jean Paul Sartre, director do jornal francês Libération, consideramos que “os partidos falam por cima das massas, e o que nós queremos é ver as próprias massas falarem”. Queremos, pois, que o Fronteira seja um jornal através do qual os trabalhadores possam falar de si próprios, dos problemas concretos da sua situação na sociedade. Um jornal, enfim, ao serviço da emancipação de todos os explorados [Editorial, Fronteira, nº 7, 30 de Setembro de 1974].
O jornal publicou-se até 1975.
José Pacheco Pereira, As Armas de Papel
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