Francesco Petrarca
[20.07.1304 - 19.07.1374]
Nem tenho paz nem como fazer guerra,
espero e temo e a arder gelo me faço,
voo acima do céu e jazo em terra,
e nada agarro e todo o mundo abraço.
Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
nem por seu me retém nem solta o laço,
e não me mata Amor, nem me desferra,
nem me quer vivo ou fora de embaraço.
Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
anseio por morrer, peço socorro,
amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
nutro-me em dor, rio a chorar aflito,
despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
Petrarca, Rimas, 134
[tradução de Vasco Graça Moura]
Cesário Verde
[23.02.1855 - 19.07.1886]
ARROJOS
Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.
Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.
Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos nocturnos.
Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.
Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.
Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.
Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.
E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
Às mesas espelhentas do Martinho.
Cesário Verde,
Diário de Notícias, 22 de Março de 1874