Segunda-feira, 18 de Março de 2013

Jornal FRONTEIRA

 

FRONTEIRA

 

Jornal legal, publicado em França, embora com morada belga, impresso em tipografia (Imp Maubert, Saint-Ouen). Esta dualidade de endereços deveu-se ao facto de o primeiro número ter sido feito na Bélgica, e estar previsto servir de órgão a um “centro cultural” em Bruxelas, que apoiaria a logística da LUAR. O responsável inicial era o padre Joaquim Alberto. Esse projecto falhou e a redacção foi deslocada para Paris. A intenção do grupo da Fronteira era publicar um número por mês, e depois passar para semanal, mas tal não foi conseguido (4 números em seis meses, em 1973, e dois em quatro meses até ao 25 de Abril). O jornal tinha uma tiragem de “vários milhares de exemplares”. Uma das razões para a elevada tiragem era atingir o número de exemplares necessários para a distribuição ser feita pelas Nouvelles Messageries de la Presse Parisienne (NMPP), ligada à CGT. Para além disso, era vendido nos mercados de Paris e à porta das fábricas, nos locais onde havia muitos emigrantes portugueses. Era igualmente distribuído na Bélgica, na Holanda, no Luxemburgo, na Inglaterra e na Alemanha, assim como alguns exemplares eram enviados para o interior de Portugal.

Ao abrigo da lei francesa e belga, os editores responsáveis eram, na França, Pierre Vidal-Naquet, e, na Bélgica, François Houtart. […]

O jornal era uma iniciativa da LUAR, que o financiava, e era dirigido na prática, desde o seu segundo número, por Fernando Pereira Marques, um membro da organização. Este, após cumprir pena de prisão pela sua participação na tentativa da LUAR de ocupar a Covilhã, em Agosto de 1968, e tendo sido libertado em 1971, estava em 1973 de novo ameaçado de prisão em Portugal, e foge para França, onde permaneceu até ao 25 de Abril de 1974. […] Entre os seus colaboradores contavam-se para além de Fernando Pereira Marques, Joaquim Alberto e Armando Ribeiro, todos da LUAR, os independentes Manuel Villaverde Cabral e Fernando Medeiros, Rodolfo Crespo, ligado à ASP, Gabriel Raimundo e João Vaz, que atuava como jornalista profissional. […]

A Fronteira cobre todos os temas da emigração: segurança social, acidentes de trabalho, racismo, luta contra a Circular Fontanet, greves. Mas cobre também os principais acontecimentos políticos ocorridos durante a sua publicação, a visita de Marcelo Caetano a Londres, as eleições de 1973, e inclui entrevistas e noticiário sobre os movimentos de libertação das colónias portuguesas. Porém, em certas matérias, vai mais longe do que os seus congéneres, como é o caso de um longo artigo sobre o aborto, a propósito do debate francês sobre a matéria.

[…]

 

 

 

O jornal é deliberadamente eclético no plano político, evitando envolver-se na conflituosidade verbal (e às vezes física) entre as organizações políticas que actuavam na emigração. […]

A orientação do jornal deu origem a uma discussão interna que se acentua nos finais de 1973 e em 1974. O jornal vai progressivamente precisando a sua orientação e assim respondendo às pressões sobre a sua “linha”. No número 4 publica-se um texto programático não assinado que demarca o jornal dos sectores mais moderados da oposição portuguesa, em particular o novel PS, com quem a LUAR mantinha relações:

 

[…]

A revolução a fazer em Portugal será popular ou não será revolução. Construirá o socialismo e não se limitará a continuar a exploração capitalista. Não há meios-termos; é tempo que os trabalhadores deixem de servir de carne de canhão para substituir patrões. A revolução será a conquista das fábricas pelos operários, dos campos pelos camponeses, e o fim da exploração do homem pelo homem”. [“O Poder Popular. Nunca a Unidade com os Patrões Conduz à Vitória, Fronteira, nº 4].

 

Esta discussão acelerou-se pela prisão de elementos da LUAR, alguns dos quais eram seus colaboradores (Gabriel Raimundo, por exemplo). Entre Setembro e Novembro de 1973, mais de uma dezena de membros da LUAR são presos em Espanha e em Portugal, incluindo o principal mentor da organização, Palma Inácio. Estas prisões, vindas na sequência de várias outras acções da LUAR abortadas pela PIDE, aceleraram a reflexão sobre a actuação da organização, e, por consequência, a linha programática do jornal. Em Janeiro de 1974, Fernando Pereira Marques elabora um documento intitulado “Por Uma Utilização Correcta de Novos Métodos de Luta. Pela Revolução Socialista”, que, segundo o seu autor, era o único “documento […] com um carácter mais amplo e de natureza programática” produzido antes do 25 de Abril pela LUAR. O texto partia de uma reflexão autocrítica sobre “uma certa tendência às acções especiais” que limitava a “expressão correcta de uma perspectiva política e ideológica”. Na sua elaboração participaram Armando Ribeiro e Rui Pereira.

Este debate é truncado pelo 25 de Abril e, após um hiato de vários meses, a Fronteira reapareceu, agora como Jornal da Liga de União e Acção Revolucionária. O jornal passou a ser “dirigido a todos os trabalhadores portugueses e não essencialmente aos emigrantes, como acontecia”, mas reafirmando algumas das suas linhas de orientação fundamentais:

 

Claro que tem de haver uma adaptação à situação criada pelo levantamento militar de 25 de Abril, no entanto, o Fronteira continuará a ser não um jornal partidário mas sim informativo, aberto à colaboração de todos aqueles que não estando connosco organicamente partilham da mesma perspectiva revolucionária e socialista. E isto porque, utilizando as mesmas palavras de Jean Paul Sartre, director do jornal francês Libération, consideramos que “os partidos falam por cima das massas, e o que nós queremos é ver as próprias massas falarem”. Queremos, pois, que o Fronteira seja um jornal através do qual os trabalhadores possam falar de si próprios, dos problemas concretos da sua situação na sociedade. Um jornal, enfim, ao serviço da emancipação de todos os explorados [Editorial, Fronteira, nº 7, 30 de Setembro de 1974].

 

O jornal publicou-se até 1975.

 

 

José Pacheco Pereira, As Armas de Papel

 

publicado por Elisabete às 18:45
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