Sexta-feira, 9 de Julho de 2010
História do Senhor Mar
Deixa contar...
Era uma vez
O senhor Mar
Com uma onda...
Com muita onda...
E depois?
E depois...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
Ondinha vai...
Ondinha vem...
E depois...
A menina adormeceu
Nos braços da sua Mãe...
Matilde Rosa Araújo
(Lisboa, 20 de Junho de 1921 / Lisboa, 6 de Julho de 2010)
Segunda-feira, 26 de Janeiro de 2009
Um grito que deu voz e pão de poesia a gente muda e faminta.
José Saramago
Há 25 anos (18 de Janeiro de 1984), morre em Lisboa, na Rua da Saudade, o poeta José Carlos Ary dos Santos. Tinha 46 anos.
Soneto de Mal Amar
Invento-te recordo-te distorço
a tua imagem mal e bem amada
sou apenas a forja em que me forço
a fazer das palavras tudo ou nada.
A palavra desejo incendiada
lambendo a trave mestra do teu corpo
a palavra ciúme atormentada
a provar-me que ainda não estou morto.
E as coisas que eu não disse? Que não digo:
Meu terraço de ausência meu castigo
meu pântano de rosas afogadas.
Por ti me reconheço e contradigo
chão das palavras mágoa joio e trigo
apenas por ternura levedadas.
O Poema Original
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2009
Sobre um poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
– a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
– Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
– E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Hélder
*****
O Artesão Herberto
1. “O trabalhador é digno do seu alimento”; e, noutro lugar: “aquele que toma o arado e olha para trás não serve para o reino de Deus”. Isto disse o Menino Jesus quando cresceu e vem, por esta ordem, nos evangelhos de Mateus e Lucas. “Será que Deus não consegue compreender a linguagem do artesão?”, interroga, porém, Herberto Helder, no primeiro dos poemas que acompanham “Lapinha do Caseiro” (Assírio & Alvim). O belo livro reproduz obras de um artista encantador, Francisco Ferreira, madeirense do século XIX, cuja criatividade o manteve miraculosamente vivo. Nasceu em 1848 e faleceu no ano de 1931. A obra legada salvou-o da infausta morte: ele regressa e impõe-se, graças aos barros pintados, que Ricardo Jardim fotografou. “...A substância de um homem e de uma estrela; a mesma./ O poder de criar a canção, isso”, continua Helder e aponta “a terra que se mistura com o sangue sob as unhas”. Discursa sobre os estupendos trabalhos de Francisco Ferreira, afinal, seu bisavô. E, alertados pelo poeta, sucede levarem-nos, luminosos e frágeis, à interrogação: Deus ouve-nos, de facto? Vê-nos? Interessamo-lo, sequer?
2. “... crua artesania, e ouço na rádio Bach, meu Deus, e Haendel (...) o mundo é um caos sumptuoso –este é o segredo:/ música, e eu estou bêbado e é tão amargo o tempo,/ tão irrevocável” –sempre Helder, o artesão genial, que procura, como o bisavô, outra maneira. Acompanho a sua poesia, desde “O Amor em Visita” (1958); de “Os Passos em Volta” (1963), onde li: “Precisamos é de ser simples; partir, beber, arranjar companheiros na Malásia, na Turquia, na China.” O que fez o poeta, na esperança de surpreender os deuses.
Manuel Poppe, O Outro Lado
Jornal de Notícias [11.Jan.2009]
Domingo, 11 de Janeiro de 2009
Quando analiso a conquistada fama
Quando analiso
a conquistada fama dos heróis
e as vitórias dos grandes generais,
não sinto inveja desses generais
nem do presidente na presidência
nem do rico na sua vistosa mansão;
mas quando eu ouço falar
do entendimento fraterno entre dois amantes,
de como tudo se passou com eles,
de como juntos passaram a vida
através do perigo, do ódio, sem mudança
por longo e longo tempo atravessando
a juventude e a meia-idade e a velhice
sem titubeios, de como leais
e afeiçoados se mantiveram
— aí então é que eu me ponho pensativo
e saio de perto à pressa
com a mais amarga inveja.
Walt Whitman, in "Leaves of Grass"
Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2008
Ontem à noite pus-me a reflectir
Nas coisas da vida em vez de dormir
Tive um quebranto fiquei surdo e mudo
Tolhido de espanto mas percebi tudo
O mundo era meu sentia-me um rei
O tempo era extenso e eu ditava a lei
Bastou dar um passo e crescer em frente
Perdi toda a graça quase de repente
Não fosse um sentido de humor apurado
Que me faz viver um sonho acordado
Não via tão claro o sentido da vida
E tudo seria bem mais complicado
Eu era feliz tinha os meus brinquedos
O anjo da guarda tirava-me os medos
Descobri o amor e vi nele o paraíso
Mas para ser expulso às vezes pouco é preciso
Podia ter tudo do bom e do caro
Que nada acudia ao meu desamparo
Sou a alma do mundo mais bem informada
Quanto mais me informo mais sei que sei nada
Não fosse um sentido de humor apurado
Que me faz viver a sonhar acordado
Não via tão claro o significado
Letra: Carlos Tê
Música: Hélder Gonçalves
in "Cintura", Clã
Segunda-feira, 8 de Setembro de 2008
SÍSIFO
Recomeça...
Se puderes
Sem angústia
E sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar e vendo
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças...
Miguel Torga
Quarta-feira, 13 de Agosto de 2008
As certezas do meu mais brilhante amor
As certezas do meu mais brilhante amor
vou acender, que amanhã não há luar
eu colherei do pirilampo um só fulgor
que me desculpe o bom bichinho de o roubar
Assobiando as melodias mais bonitas
e das cidades descrevendo o que já vi
homens e faces e os seus gestos como escritas
do bem, do mal: a paz, a calma e o frenesi
Se estou sozinho é num beco que me encontro
vou porta a porta perguntando a quem me viu
se ali morei, se eu era o mesmo, e em que ponto
o meu desejo fez as malas e fugiu
Já de manhã, vai parecer tudo tão diferente
não é do vinho, nem do sono, ou do café
é só que o olho por olho, dente por dente
nos deixa o rosto assemelhado ao que não é
Não vás contar-lhes desse abraço derradeiro
nem que mudei a fechadura mal saíste
quero o teu rosto devolvido por inteiro
o desse dia em que me vi no que tu viste
Não vás tomar à letra aquilo que te disse
quando te disse que o amor é relativo
se o relativo fosse coisa que se visse
não era amor o porque morro e o porque vivo
Não vás contar que mudei a fechadura
Não vás contar que mudei a fechadura
nem revelar que reclamei dos teus anéis
o amor dura, se durar, enquanto dura
e o vento voa à procura de papéis
O vento passa à procura dum engano
e quando encontra presa fácil na cidade
bate à janela, e redemoinha, e causa dano
naquilo que é suposto ser nossa vontade
Já de manhã, vai parecer tudo tão diferente
não é do vinho, nem do sono, ou do café
é só que o olho por olho, dente por dente
nos deixa o rosto assemelhado ao que não é
Não vás contar-lhes desse abraço derradeiro
nem que mudei a fechadura mal saíste
quero o teu rosto devolvido por inteiro
o desse dia em que me vi no que tu viste
Não vás tomar à letra aquilo que te disse
quando te disse que o amor é relativo
se o relativo fosse coisa que se visse
não era amor o porque morro e o porque vivo
Sérgio Godinho, Escritor de Canções
Sexta-feira, 8 de Agosto de 2008
Ruy Belo morreu no dia 8 de Agosto de 1978
com 45 anos
Atropelamento mortal
Nalgum oásis do princípio ele fora
um fugitivo brilho no olhar de Deus
-a vida havia de lho lembrar muitas vezes.
Atravessou as nossas ruas entre gatos,
a chuva molhou-lhe as pobres botas cambadas.
Teve um banco de jardim, teve amigos, um deles o sol.
Sempre sem o saber procurou Deus.
Um dia foi campos fora atrás dele, perdeu o emprego
na Câmara Municipal. Teve mãe mas depois
nunca mais foi solução para ninguém.
Naquele dia a morte instalou-o
confortavelmente no céu. Lá se foi
com seus modos humanos, seus caprichos
e um notório acanhamento em público
(há-de a princípio faltar-lhe à-vontade entre os anjos).
Tinha o nome no registo, agora habita
nas planícies ilimitadas de Deus.
Nas suas costas ainda se derrama
a tarde interrompida.
Manhãs e manhãs desfilarão sobre ele,
caracóis cobrirão a memória daquele
que foi da sua infância como qualquer de nós.
Teve um nome de aqui, andou de boca em boca,
agora é Deus que para sempre o tem na voz.
Ruy Belo, Aquele Grande Rio Eufrates
Quinta-feira, 7 de Agosto de 2008
Foto de:fgamorim
NOX
Noite, vão para ti meus pensamentos,
Quando olho e vejo, à luz cruel do dia,
Tanto estéril lutar, tanta agonia,
E inútil tantos ásperos tormentos…
Tu, ao menos, abafas os lamentos,
Que se exalam da trágica enxovia…
O eterno Mal, que ruge e desvaria,
Em ti descansa e esquece alguns momentos…
Oh! antes tu também adormecesses
Por uma vez, e eterna, inalterável,
Caindo sobre o Mundo, te esquecesses,
E ele, o Mundo, sem mais lutar nem ver,
Dormisse no teu seio inviolável,
Noite sem termo, noite do Não-ser!
Antero de Quental
Sábado, 2 de Agosto de 2008
Saudade – nome que diz a permanência do perdido.
Sophia de Mello Breyner
Sexta-feira, 1 de Agosto de 2008
Vivam Apenas
Vivam, apenas
Sejam bons como o sol.
Livres como o vento.
Naturais como as fontes.
Imitem as árvores dos caminhos
que dão flores e frutos
sem complicações.
Mas não queiram convencer os cardos
e transformar os espinhos
em rosas e canções.
E principalmente não pensem na morte.
Não sofram por causa dos cadáveres
que só são belos
quando se desenham na terra em flores.
Vivam, apenas.
A morte é para os mortos!
José Gomes Ferreira
Quinta-feira, 31 de Julho de 2008
A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes
São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está p’ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas
Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
P’ra ficar pelo caminho
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que está p’ra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda
Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda
Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda
José Mário Branco
Uma bela fotografia, de Lia Costa Carvalho.
A calma da maturidadde?
Terça-feira, 22 de Julho de 2008
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração.
António Ramos Rosa
Sexta-feira, 18 de Julho de 2008
Francesco Petrarca
[20.07.1304 - 19.07.1374]
Nem tenho paz nem como fazer guerra,
espero e temo e a arder gelo me faço,
voo acima do céu e jazo em terra,
e nada agarro e todo o mundo abraço.
Tem-me em prisão quem ma não abre ou cerra,
nem por seu me retém nem solta o laço,
e não me mata Amor, nem me desferra,
nem me quer vivo ou fora de embaraço.
Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
anseio por morrer, peço socorro,
amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
nutro-me em dor, rio a chorar aflito,
despraz-me por igual se vivo ou morro.
Neste estado, Senhora, estou por vós.
Petrarca, Rimas, 134
[tradução de Vasco Graça Moura]
Cesário Verde
[23.02.1855 - 19.07.1886]
ARROJOS
Se a minha amada um longo olhar me desse
Dos seus olhos que ferem como espadas,
Eu domaria o mar que se enfurece
E escalaria as nuvens rendilhadas.
Se ela deixasse, extático e suspenso
Tomar-lhe as mãos mignonnes e aquecê-las,
Eu com um sopro enorme, um sopro imenso
Apagaria o lume das estrelas.
Se aquela que amo mais que a luz do dia,
Me aniquilasse os males taciturnos,
O brilho dos meus olhos venceria
O clarão dos relâmpagos nocturnos.
Se ela quisesse amar, no azul do espaço,
Casando as suas penas com as minhas,
Eu desfaria o Sol como desfaço
As bolas de sabão das criancinhas.
Se a Laura dos meus loucos desvarios
Fosse menos soberba e menos fria,
Eu pararia o curso aos grandes rios
E a terra sob os pés abalaria.
Se aquela por quem já não tenho risos
Me concedesse apenas dois abraços,
Eu subiria aos róseos paraísos
E a Lua afogaria nos meus braços.
Se ela ouvisse os meus cantos moribundos
E os lamentos das cítaras estranhas,
Eu ergueria os vales mais profundos
E abateria as sólidas montanhas.
E se aquela visão da fantasia
Me estreitasse ao peito alvo como arminho,
Eu nunca, nunca mais me sentaria
Às mesas espelhentas do Martinho.
Cesário Verde,
Diário de Notícias, 22 de Março de 1874
Quinta-feira, 12 de Junho de 2008
13 de Junho de 1888, 15.30h, no quarto andar do nº 4 do Largo de S. Carlos, em Lisboa, nasce FERNANDO António Nogueira PESSOA.
Quarta-feira, 11 de Junho de 2008
MAR DE VERÃO
No verão cinzento,
cinzenta era a alegria,
azul a cor
da melancolia.
Quem me prometia o mar,
se dar-mo não podia?
Albano Martins
Terça-feira, 10 de Junho de 2008
Ao desconcerto do Mundo Os bons vi sempre passar No Mundo graves tormentos; E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, só para mim, Anda o Mundo concertado.
Luís de Camões |
Estátua de Camões [Constância]
Domingo, 1 de Junho de 2008
Marta Rietsch Monteiro
Porto, 1 de Junho de 2008
Sexta-feira, 16 de Maio de 2008
QUANTOS SEREMOS?
Não sei quantos seremos, mas que importa?!
Um só que fosse, e já valia a pena.
Aqui, no mundo, alguém que se condena
A não ser conivente
Na farsa do presente
Posta em cena!
Não podemos mudar a hora da chegada,
Nem talvez a mais certa,
A da partida.
Mas podemos fazer a descoberta
Do que presta
E não presta
Nesta vida.
E o que não presta é isto, esta mentira
Quotidiana.
Esta comédia desumana
E triste,
Que cobre de soturna maldição
A própria indignação
Que lhe resiste.